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Rio refaz performance de Lygia Pape
Artista criou "Divisor" em 1968, durante a ditadura no Brasil; filmagem será exibida na Bienal de São Paulo
Obra foi recriada no MAM carioca pela 1ª vez depois de sua morte, em 2004, com 130 pessoas vestindo um manto
SILAS MARTÍ
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
No auge da ditadura, Lygia
Pape estendeu um grande
pano em frente ao Museu de
Arte Moderna do Rio. Tinha
fendas para que convidados
enfiassem a cabeça e agitassem o corpo sob um manto
branco, mar animado por
braços e pernas invisíveis.
Obra de 1968, a performance "Divisor" foi refeita
anteontem no mesmo lugar
pela primeira vez depois da
morte da artista, em 2004.
Cerca de 130 pessoas apareceram na tarde ensolarada
de sábado para vestir a peça
de 30 metros de largura.
Fizeram quatro caminhadas de dez minutos pelos jardins do museu no Flamengo.
Uma equipe de cinegrafistas registrou a ação num filme que será exibido na Bienal de São Paulo, em setembro. A performance também
deve ser repetida, sob a marquise do Ibirapuera, no início
da mostra paulistana.
Do alto do terraço do
MAM, Paula Pape, filha da
artista, comandava a massa
de voluntários. "Esse espaço
é muito especial, tem uma
história com ela", disse ela à
Folha. "Não sou artista, mas
estou aqui fazendo uma homenagem a ela."
Com um megafone, Pape
dava instruções. Animava os
participantes, pedia sorrisos,
orientava os passos.
Numa entrevista há 12
anos, Lygia Pape parecia antecipar esse momento.
"Queria fazer uma obra
coletiva, que as pessoas pudessem repetir sem que eu
estivesse presente", disse na
época. "O processo só pode
ser definido quando o artista
desaparecer."
CABEÇAS E O MAR
Mas o mundo era outro antes desse desaparecimento.
Esse gesto de Pape, de cortar
as cabeças, escondendo os
corpos, tinha outro significado no ano em que baixaram o
AI-5, recrudescimento agudo
da repressão.
"É cortar cabeças, e os corpos têm de se entender", descreve sua filha. "É uma questão política, mas parece o
mar, é um poema visual."
Na Bienal de São Paulo,
que pretende aproximar arte
e política, a obra terá o caráter lúdico da performance refeita em tempos de paz.
"Esse outro lado é forte",
diz a professora Maria Clara
Amado, amiga de Pape. "Mas
colocar alguém dentro da
obra é uma atitude política."
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