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TEATRO
Espaço para performances baseadas em textos de pensadores é um dos destaques do Festival de São José do Rio Preto
Casa Não-Lugar busca morada na filosofia
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Penso, logo enceno. A variante
da máxima engendrada pelo filósofo e matemático francês René
Descartes (1596-1650) -"penso,
logo existo"- serve para ilustrar
a Casa Não-Lugar, uma das atrações do Festival Internacional de
Teatro de São José do Rio Preto
(451 km a noroeste de São Paulo),
que prossegue até o dia 29.
Idealizado pelo produtor cultural Ricardo Muniz Fernandes, 42,
o espaço em questão é um casarão de um clube da cidade. Ali,
quatro cômodos cenográficos revezam, no final de noite, performances teatrais baseadas em textos de filósofos e escritores.
"É o que mais curto no festival",
admite Fernandes. A despeito das
atrações internacionais, como a
montagem francesa de "As Criadas", de Jean Genet, direção de
Yoshi Oida, ele se entusiasma
mais com a fórmula da Casa Não-Lugar, que, apesar da indefinição
nominal, estabelece claramente
seus objetivos: provocar estranhamento por meio da junção de
um texto (suporte literário, fotográfico, musical, não importa),
um artista criador e um espaço
diminuto, tudo direcionado para
uma performance com poucos
atores, duração de cerca de 20 minutos e platéia de 15 pessoas.
As perspectivas são a da diversidade e a do samba do crioulo doido (tudo termina no bar da casarão, embalado por DJs). A programação inclui três segmentos.
No "Pensares", concentram-se
pensadores, artistas e até entidades religiosas: Exu, Schopenhauer, Platão, Kazuo Ohno, Lévi-Strauss, Elvis Presley, santo
Agostinho, Noel Rosa, Sérgio
Buarque de Holanda, Deleuze,
Guattari, Marx e Engels.
No "Imaginares", estão Matei
Visniec, William Burroughs,
Dostoiévski, Nelson Rodrigues,
Calvino, Sade, Luiz Cabral, Fernando Bonassi, Victor Navas, Lia
Luft, Kafka e Allen Ginsberg.
O terceiro segmento, "Campos
Opostos", abriga o solo "Pop by
Gawronski", de Gilberto Gawronski, inspirado em Andy
Warhol; a leitura performática de
"Os Sertões", de Euclydes da Cunha, que o grupo Oficina, de Zé
Celso, adapta para 2002; os vídeos
de Michel Groisman; e o show da
performer e cantora italiana Simona Barbera.
A diretora Maria Thaís, 41, da
companhia Balagan ("Sacromaquia"), assina "A República", de
Platão, uma das quatro apresentações que abriram a Casa Não-Lugar na noite de quinta-feira
(são quatro performances simultâneas, em quatro cômodos, repetidas pelo menos quatro vezes,
permitindo alternância dos espectadores).
"Já havia trabalhado com texto
filosófico em nível pedagógico,
para o ator explorar o campo das
idéias e aflorar sua poética, mas
nunca em cena", diz Maria Thaís,
que confessa não ter processado
completamente a idéia do não-espetáculo ("A República" faz sua
última apresentação hoje).
A Cia. do Latão comparece com
"A Ideologia Alemã", de Marx e
Engels. "O texto é uma ruptura
radical com o idealismo, e a gente
faz um exercício meio que de estraga-prazer, de pedra no sapato", diz Sérgio de Carvalho, 34. "É
um desafio estético pensar Marx
cenicamente. A gente sempre
brincou que um dia iríamos
montar o "Manifesto Comunista"
para crianças."
Beth Lopes leva "Do Verdadeiro e do Falso", de Descartes, com
adaptação de Bonassi e performance de Matteo Bonfitto. "A dúvida é uma questão fundamental
para o nosso tempo, ainda que
mal resolvida em muitos campos
da vida", afirma a diretora, desafiada a teatralizar o discurso do filósofo com 300 ovos em cena.
Outro destaque paralelo do festival são as cabines itinerantes,
em forma de peep-show, levadas
aos bairros com textos de Shakespeare (pelo diretor Jorge Vermelho) e Plínio Marcos (por Wander
Ferreira Junnior), entre outros.
21º FESTIVAL INTERNACIONAL DE
TEATRO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO
-°até dia 29. Mais informações pelo tel. 0/
xx/17/3216-9333. Na internet:
www.festivalderiopreto.com.br.
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