São Paulo, sábado, 21 de julho de 2001

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TEATRO

Espaço para performances baseadas em textos de pensadores é um dos destaques do Festival de São José do Rio Preto

Casa Não-Lugar busca morada na filosofia

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Penso, logo enceno. A variante da máxima engendrada pelo filósofo e matemático francês René Descartes (1596-1650) -"penso, logo existo"- serve para ilustrar a Casa Não-Lugar, uma das atrações do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto (451 km a noroeste de São Paulo), que prossegue até o dia 29.
Idealizado pelo produtor cultural Ricardo Muniz Fernandes, 42, o espaço em questão é um casarão de um clube da cidade. Ali, quatro cômodos cenográficos revezam, no final de noite, performances teatrais baseadas em textos de filósofos e escritores.
"É o que mais curto no festival", admite Fernandes. A despeito das atrações internacionais, como a montagem francesa de "As Criadas", de Jean Genet, direção de Yoshi Oida, ele se entusiasma mais com a fórmula da Casa Não-Lugar, que, apesar da indefinição nominal, estabelece claramente seus objetivos: provocar estranhamento por meio da junção de um texto (suporte literário, fotográfico, musical, não importa), um artista criador e um espaço diminuto, tudo direcionado para uma performance com poucos atores, duração de cerca de 20 minutos e platéia de 15 pessoas.
As perspectivas são a da diversidade e a do samba do crioulo doido (tudo termina no bar da casarão, embalado por DJs). A programação inclui três segmentos. No "Pensares", concentram-se pensadores, artistas e até entidades religiosas: Exu, Schopenhauer, Platão, Kazuo Ohno, Lévi-Strauss, Elvis Presley, santo Agostinho, Noel Rosa, Sérgio Buarque de Holanda, Deleuze, Guattari, Marx e Engels.
No "Imaginares", estão Matei Visniec, William Burroughs, Dostoiévski, Nelson Rodrigues, Calvino, Sade, Luiz Cabral, Fernando Bonassi, Victor Navas, Lia Luft, Kafka e Allen Ginsberg.
O terceiro segmento, "Campos Opostos", abriga o solo "Pop by Gawronski", de Gilberto Gawronski, inspirado em Andy Warhol; a leitura performática de "Os Sertões", de Euclydes da Cunha, que o grupo Oficina, de Zé Celso, adapta para 2002; os vídeos de Michel Groisman; e o show da performer e cantora italiana Simona Barbera.
A diretora Maria Thaís, 41, da companhia Balagan ("Sacromaquia"), assina "A República", de Platão, uma das quatro apresentações que abriram a Casa Não-Lugar na noite de quinta-feira (são quatro performances simultâneas, em quatro cômodos, repetidas pelo menos quatro vezes, permitindo alternância dos espectadores).
"Já havia trabalhado com texto filosófico em nível pedagógico, para o ator explorar o campo das idéias e aflorar sua poética, mas nunca em cena", diz Maria Thaís, que confessa não ter processado completamente a idéia do não-espetáculo ("A República" faz sua última apresentação hoje).
A Cia. do Latão comparece com "A Ideologia Alemã", de Marx e Engels. "O texto é uma ruptura radical com o idealismo, e a gente faz um exercício meio que de estraga-prazer, de pedra no sapato", diz Sérgio de Carvalho, 34. "É um desafio estético pensar Marx cenicamente. A gente sempre brincou que um dia iríamos montar o "Manifesto Comunista" para crianças."
Beth Lopes leva "Do Verdadeiro e do Falso", de Descartes, com adaptação de Bonassi e performance de Matteo Bonfitto. "A dúvida é uma questão fundamental para o nosso tempo, ainda que mal resolvida em muitos campos da vida", afirma a diretora, desafiada a teatralizar o discurso do filósofo com 300 ovos em cena.
Outro destaque paralelo do festival são as cabines itinerantes, em forma de peep-show, levadas aos bairros com textos de Shakespeare (pelo diretor Jorge Vermelho) e Plínio Marcos (por Wander Ferreira Junnior), entre outros.

21º FESTIVAL INTERNACIONAL DE TEATRO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO -°até dia 29. Mais informações pelo tel. 0/ xx/17/3216-9333. Na internet: www.festivalderiopreto.com.br.



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