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CRÍTICA
Na rota do conquistador, a trilha do "conquistado"
CYNARA MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL
Com fome , frio, sede e exposto a intempéries em um fim
de mundo sul-americano, o jovem Ernesto Che Guevara se faz a
pergunta que deve ter se repetido
muitas vezes ao longo de sua curta, mas intensa vida: "Será que isso tudo vale a pena?".
Não há política no primeiro diário de viagem escrito por Che,
mas já se vê aí sua vocação para
"herói". Como diz o pai dele, Ernesto Guevara Lynch, no prólogo,
o filho e seu amigo Granado refazem a rota dos conquistadores,
"mas com um propósito bem diferente". Os dois amigos seguem,
na verdade, a trilha dos "conquistados".
Diário
É só na simpatia e solidariedade
pelos índios e no desprezo pela
classe média "arrogante", no entanto, que o diário sinaliza para o
homem que desabrocharia nos
anos seguintes. No mais, é apenas
um diário, algumas vezes divertido, noutras angustiante, de dois
mochileiros destemidos.
Guevara e Granado viveram
quase um ano com as roupas em
farrapos e mendigando comida
em toda parte. Che sofreria ainda
com os ataques da asma que o
acompanharia até o final.
O socialismo dentro dele, se há,
está embrionário. Tanto que o último capítulo, incluído no diário
sabe-se lá por quê, já que não se
conhece a época nem o local em
que foi escrito, destoa do resto, ao
mostrar um Guevara autoproclamado "dissector eclético de doutrinas e psicanalista de dogmas",
que deseja degolar "quantos vencidos caiam" em suas mãos.
"Humano"
No resto do livro, ao contrário, é
um Che "humano" quem aparece, capaz de passagens cômicas,
como quando alivia a dor de barriga em uma janela. Um rapaz como outro qualquer, gozador, não
muito trabalhador (até preguiçoso) e bom goleiro, além de insuspeitado crítico cinematográfico:
odiou "Stromboli" (1949), de Rossellini, que vê no Peru.
Apesar de os dois amigos partirem de Buenos Aires sonhando
também em encontrar belas mulheres, a presença delas é mínima.
Certos trechos, porém, não deixam de exalar sensualidade.
Apenas um problema, porém: a
opção pela tradução a partir das
edições inglesa e italiana mostra-se equivocada ao ponto de deixar
confusos parágrafos inteiros e leva a pelo menos um erro grave:
"yuca" (mandioca) é traduzido
como "iúca" ou "uma flor", o que
faz supor ser esta a base da alimentação dos índios.
Avaliação:
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