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Crítica/teatro
Festival assume riscos do experimental
Na liberdade da tentativa e erro, evento de Rio Preto teve boas montagens e manteve sua marca de interferir na cidade
SÉRGIO SALVIA COELHO
ENVIADO ESPECIAL A RIO PRETO
Hamlet entra em cena e
escreve a giz, na parede podre de sua cela-nação, a data da apresentação.
Está aberta a aposta: Shakespeare deverá provar ser um espelho de qualquer época. E
mesmo que venha da Venezuela essa provocação sarcástica
contra a caricatura no poder,
ninguém da América Latina
pode rir despreocupado.
O Teatro del ContraJuego está há 20 anos na vanguarda da
insolência. Dirigida por Orlando Arocha, tendo como braço
direito o ator-dramaturgo-diretor brasileiro Ricardo Nortier, essa sua leitura de Hamlet
vale como um cartão de visitas
das estratégias da companhia.
Pois bem: visando o público
geral, a companhia não se preocupa com o caviar das sutilezas
psicológicas. Arocha escolhe
ser abertamente popular, da
trilha de salsas e rumbas ao figurino que parodia a alta-costura, e esse sem-cerimônia autoriza cada um na platéia a fazer sua própria associação com
seus pingüins de geladeira.
O protagonista Nortier, com
um cinismo disfarçado de bonomia, entrecortado por chiliques de criança e melancolias
que lembram o quanto é séria a
questão da qual se debocha, remete muitas vezes Luis Fernando Guimarães. Ludwig Pineda, um rei Cláudio que se deleita na cafonice, barbicha, ray-ban e ouro no pescoço, é um sósia do cantor Falcão; enquanto
que a Ofélia de Diana Peñalver
é uma Courtney Love que se
afoga na sórdida pia do cenário.
Valorizando como poucos a
comicidade de Polônio, Julio
Bouley domina as pausas pantalonescas, e seu coveiro chega
ao hilário despudor de Chaves
(o comediante mexicano, não
seu homônimo presidente).
Por outro lado, a evocação do
fantasma -vento nas cortinas- é sofisticada, assim como
a decisão de se cortar o mínimo
da peça. Sem se levar muito a
sério, o Hamlet do Teatro Del
ContraJuego serve Shakespeare no que ele tem de mais contemporâneo: sua insolência.
A atitude abertamente lúdica
acaba sintetizando bem o que
foi o Sétimo Festival Internacional de Teatro de São José do
Rio Preto. Na sexta feira, ainda
com a expectativa das apresentações de grupos tão importantes como o Teatro Oficina (com
a remontagem de "Vento Forte
para um Papagaio Subir") e o
Grupo Galpão, com a aguardada "Pequenos Milagres", dirigida por Paulo de Moraes; além
da ilustre presença de Anatoli
Vassíliev, da Escola de Arte
Dramática de Moscou, o festival se responsabilizou por
eventos seminais para o teatro
brasileiro.
Consagrou os franceses da
CIE 111, com seu instigante
"Plan B"; inquietou o público
com a desolação de "Braakland", da inovadora Compagnie Dakar, da Holanda; e manteve sua marca de interferir no
cotidiano da cidade
"Não-Lugar"
Como toda aposta aberta, o
Festival deu visibilidade a experiências menos bem-sucedidas, como a declamativa "Medea" do Grupo Atalaya, da Espanha, e a "Galeria 17", da Boa
Companhia de Campinas, que
se atolou em uma kafkiana autocontemplação.
Na liberdade da tentativa e
erro, mais eficiente foi o formato do "Não-Lugar", a partir das
23h, que ofereceu desde os
poucos minutos de alta tecnologia do "Vídeotango" de Otávio Donasci, até o blefe dadaísta
"Falso Espetáculo", de Elisa
Ohtake, que parodia as últimas
tendências das artes cênicas
contando com a cumplicidade
da platéia.
O FIT, assim, segue seu rumo
e se consolida como um dos
mais instigantes festivais do
Brasil.
O crítico SÉRGIO SALVIA COELHO e a repórter-fotográfica LENISE PINHEIRO viajaram a convite da organização do festival
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