|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/terror
"Celular" de Stephen King remete a José Saramago em chave "trash"
Ficção do americano mostra usuários do telefone móvel transformados em zumbis
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Existem poucas coisas
mais chatas do que
(qualquer!) musiquinha de celular. De modo mais
amplo, o aparelho -evidentemente útil em inúmeras circunstâncias- se tornou um dos
principais símbolos da futilidade da vida contemporânea, espalhando intimidade e constrangimento para públicos indefesos. É assim quase como
uma vingança sarcástica que o
escritor norte-americano Stephen King o coloca como instrumento de difusão do horror
em seu novo romance.
Em "Celular", um sinal inexplicável, apresentado como o
ataque terrorista definitivo,
atinge todas as pessoas que
usam o telefone móvel, transformando-as em zumbis, seres
sem nenhum controle e muita
violência.
As cenas de corpos mutilados, mordidas e sangue lembram, é claro, o clássico do cinema de terror "A Noite dos
Mortos Vivos", dirigido no final
dos anos 60 por George Romero. Mas o caos se espalhando
sem contenção e o clima de
apocalipse também remetem o
leitor de língua portuguesa para o início de "Ensaio sobre a
Cegueira", de José Saramago,
aqui em chave "trash".
Essa é, aliás, uma característica interessante na obra de
King. Se em seus primeiros livros predominava o horror em
estado puro, equilibrado pelo
uso de amplas doses de suspense e tensão, já há algum tempo
-provavelmente incapaz de
competir com a "vida real"- a
violência exagerada e as situações absurdas provocam um
efeito paródico, de riso, que ele
aprendeu a manipular com habilidade:
"Ninguém deveria ter atendido, disse Clay. Estaríamos todos muito melhor."
"Ah, mas quem resiste a um
telefone tocando?".
Adaptado ao cinema
O protagonista é Clayton
Riddell, um desenhista de história em quadrinhos que se une
a outro homem, a uma adolescente e a um menino para procurar a mulher e o filho, ao
mesmo tempo em que busca
modos de deter os zumbis. Estes humanos modificados formam uma espécie de consciência coletiva em evolução, que se
move durante o dia e descansa
à noite.
Divertido enquanto se lê e
destinado ao rápido esquecimento -e, desse ponto de vista,
King já foi bem melhor-, o livro, como tantas obras recentes, vem pronto para ser adaptado ao cinema. No caso de
"Celular", o filme deve ser lançado em 2009, com direção de
Eli Roth, responsável por "O
Albergue" e "O Albergue 2", entre outros.
Ah, em uma nota ao final do
romance, Stephen King avisa:
ele não possui um telefone celular.
ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura
da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da
USP.
CELULAR
Autor: Stephen King
Tradução: Fabiano Morais
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (400 págs.)
Avaliação: bom
NA INTERNET - Leia trecho
www.folha.com.br/072011
Texto Anterior: Literatura: Manoel de Barros é tema de palestra Próximo Texto: Crítica/biografia: Santo Antônio ganha história erudita e clara Índice
|