São Paulo, sábado, 21 de julho de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crítica/terror

"Celular" de Stephen King remete a José Saramago em chave "trash"

Ficção do americano mostra usuários do telefone móvel transformados em zumbis

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Existem poucas coisas mais chatas do que (qualquer!) musiquinha de celular. De modo mais amplo, o aparelho -evidentemente útil em inúmeras circunstâncias- se tornou um dos principais símbolos da futilidade da vida contemporânea, espalhando intimidade e constrangimento para públicos indefesos. É assim quase como uma vingança sarcástica que o escritor norte-americano Stephen King o coloca como instrumento de difusão do horror em seu novo romance.
Em "Celular", um sinal inexplicável, apresentado como o ataque terrorista definitivo, atinge todas as pessoas que usam o telefone móvel, transformando-as em zumbis, seres sem nenhum controle e muita violência.
As cenas de corpos mutilados, mordidas e sangue lembram, é claro, o clássico do cinema de terror "A Noite dos Mortos Vivos", dirigido no final dos anos 60 por George Romero. Mas o caos se espalhando sem contenção e o clima de apocalipse também remetem o leitor de língua portuguesa para o início de "Ensaio sobre a Cegueira", de José Saramago, aqui em chave "trash".
Essa é, aliás, uma característica interessante na obra de King. Se em seus primeiros livros predominava o horror em estado puro, equilibrado pelo uso de amplas doses de suspense e tensão, já há algum tempo -provavelmente incapaz de competir com a "vida real"- a violência exagerada e as situações absurdas provocam um efeito paródico, de riso, que ele aprendeu a manipular com habilidade:
"Ninguém deveria ter atendido, disse Clay. Estaríamos todos muito melhor." "Ah, mas quem resiste a um telefone tocando?".

Adaptado ao cinema
O protagonista é Clayton Riddell, um desenhista de história em quadrinhos que se une a outro homem, a uma adolescente e a um menino para procurar a mulher e o filho, ao mesmo tempo em que busca modos de deter os zumbis. Estes humanos modificados formam uma espécie de consciência coletiva em evolução, que se move durante o dia e descansa à noite.
Divertido enquanto se lê e destinado ao rápido esquecimento -e, desse ponto de vista, King já foi bem melhor-, o livro, como tantas obras recentes, vem pronto para ser adaptado ao cinema. No caso de "Celular", o filme deve ser lançado em 2009, com direção de Eli Roth, responsável por "O Albergue" e "O Albergue 2", entre outros.
Ah, em uma nota ao final do romance, Stephen King avisa: ele não possui um telefone celular.


ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.

CELULAR

Autor: Stephen King
Tradução: Fabiano Morais
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (400 págs.)
Avaliação: bom


NA INTERNET - Leia trecho

www.folha.com.br/072011



Texto Anterior: Literatura: Manoel de Barros é tema de palestra
Próximo Texto: Crítica/biografia: Santo Antônio ganha história erudita e clara
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.