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Crítica/biografia
Santo Antônio ganha história erudita e clara
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Antônio, que nasceu em
Lisboa por volta de 1189
e morreu em Pádua, na
Itália, em 1231, é um dos santos
mais populares do catolicismo,
em especial nos países latinos.
Retratado sempre com o Menino Jesus nos braços, e geralmente também com um livro
(conotando sua ligação com os
estudos) e um lírio (sua pureza), Antônio -que nasceu Fernando Martins de Bulhões- é
invocado para questões de casamento e perda de objetos, entre outras aflições.
Mas a fama de casamenteiro
surgiu e se espalhou bem depois da morte do santo, como
nos mostra o livro "Antônio - O
Santo do Amor", de Fernando
Nuno. Não se trata de uma hagiografia (biografia "autorizada" de santo, invariavelmente
elogiosa e carola), mas de uma
busca dos laços entre a vida
desse personagem singular
e a atribulada história de
seu tempo.
É quase uma história do cotidiano e das mentalidades na
Europa do período, agitada
pelas lutas contra os muçulmanos (na Reconquista ibérica
e nas Cruzadas), pelo combate
às florescentes heresias e pelas
dissensões no seio da própria
Igreja.
Com uma notável erudição,
mas ao mesmo tempo com discrição e clareza, o autor acompanha passo a passo a caminhada de Antônio por esse terreno
movediço: a crise da adolescência, os primeiros tempos como
agostiniano em Coimbra, a mudança para a então nascente ordem franciscana, a tentativa
frustrada de se entregar ao
martírio no norte da África, o
encontro com Francisco de Assis, o combate à heresia cátara
no sul da França, a fama como
pregador itinerante no norte da
Itália, os milagres.
Durante a curta vida de Antônio, caem papas e imperadores, constroem-se catedrais,
fundam-se universidades, mas
sobretudo guerreia-se muito
em nome da fé. A contrapelo da
intolerância e da violência que
dominam sua época, Antônio
prega a paz e o entendimento.
Em vez das armas, converte pela palavra e pelo exemplo.
"Toda história é contemporânea", escreveu o filósofo Benedetto Croce, e esse livro não
é exceção. Embora evite
cuidadosamente o anacronismo, é evidente que o autor tem
em mente os paralelos entre
o mundo em que o santo viveu
e o nosso, marcado igualmente
pelas guerras pretensamente
santas.
Ao buscar compreender as
inquietações de Antônio, com
base em fontes muitas vezes
comprometidas pelas distorções do mito ou pelas "razões
de Estado" da Igreja, o autor
elude habilmente o risco de
psicanalisar extemporaneamente o santo.
Ao tratar do extenso rol de
prodígios atribuídos ao personagem, deixa em aberto a questão da sua veracidade, chamando a atenção para os conflitos
entre diferentes relatos e
versões.
Mesmo não sendo obra de
devoto, "Antônio" comunica
uma profunda admiração por
seu personagem, que teria conciliado o brilho intelectual e a
humildade, a firmeza moral e a
mansidão, a doação ao próximo
e a alegria de viver. Como diz o
autor no fecho de seu livro, "um
homem como este Deus não fez
duas vezes".
ANTÔNIO - O SANTO DO AMOR
Autor: Fernando Nuno
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 38,90 (272 págs.)
Avaliação: ótimo
NA INTERNET - Leia trecho
www.folha.com.br/072013
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