São Paulo, quarta-feira, 21 de agosto de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

POLÊMICA

Concorrente considera premiação injusta; júri mantém escolha por considerá-lo "apropriação artística" comum

Quadro copiado é premiado em concurso

Reprodução
CÓPIA OU APROPRIAÇÃO ARTÍSTICA?
No alto, a obra "Paisagens Verdes", que tirou terceiro lugar no concurso do banco Real. Abaixo, revista que ensina a pintar o quadro passo a passo

IVAN FINOTTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Até que ponto uma obra baseada em outra pode ser considerada uma apropriação artística e quando ela passa a ser uma simples cópia? Essa é uma das questões levantadas por uma polêmica entre o júri do 3º Prêmio Banco Real de Talentos da Maturidade e uma das concorrentes do concurso.
A obra em questão chama-se "Paisagens Verdes", e recebeu o terceiro lugar no prêmio divulgado no final do ano passado. Pintado por Tereza Ana dos Santos, 61, de São Paulo, o quadro premiado baseia-se nitidamente em uma obra do professor de pintura radicado nos EUA George Cherepov.
A obra original foi publicada no Brasil em 1985, em uma revista da Rio Gráfica Editora, chamada "Desenhe e Pinte". A revista ensina a pintar o quadro em quatro etapas. Mesmo o nome da pintura estampado na publicação é o mesmo: "Paisagens Verdes".
A relação foi notada por uma outra concorrente do concurso, a artista plástica Leônia Ribeiro de Vasconcellos, 64. Leônia, que não foi finalista, possuía a revista em sua casa, em Cachoeira Dourada, Minas Gerais, e se espantou ao ver a obra premiada.
Meses depois, ao ser informado da existência da revista, o júri resolveu manter a premiação, no que foi seguido pelo banco Real. "A prática de apropriação de imagens é muito comum na arte contemporânea", diz o presidente da comissão de jurados, Tadeu Chiarelli, professor, crítico, historiador e ex-curador do Museu de Arte Moderna de São Paulo.
Indignada com o que chama de "fraude", Leônia Vasconcellos contabilizou seis ligações para os organizadores. "Recebi apenas desculpas como resposta, o que para mim evidencia falta de consideração e de respeito", afirma.
A artista plástica enumera três pontos que considera injustos: "Primeiro, a usurpação de obra de arte. O regulamento exigia o ineditismo do trabalho. Em segundo, fomos 5.712 concorrentes. Tirando os vencedores, temos 5.709 que, acredito, seguiram à risca o regulamento."
"Por fim, o prêmio de R$ 5.000 para o terceiro colocado. É muito considerável e, se foi dado a uma cópia, nossos trabalhos autênticos foram reduzidos a nada."
Chiarelli segue outra lógica: "Alguns trabalhos nitidamente vinham de matrizes pictóricas ou fotográficas. A partir dessas apropriações, os artistas desenvolveram sua obra. A informação sobre a revista foi discutida e chegamos à conclusão que não retira o interesse. Quanto ao prêmio, em todo concurso alguns serão escolhidos e a maioria não será."
Um tanto assustada com a polêmica, a autora do quadro, Tereza dos Santos, negou a cópia. De família humilde, Tereza pintava panos de prato antes de se inscrever no concurso. "Aprendi pintando pano em cima do risco. Quero aprender muito mais", diz ela.
"A obra premiada parece ser mais interessante que a matriz que o gerou", diz Chiarelli. "A pintura cheia de macetes é transformada em uma pintura pura e ingênua. O modo como ela incorporou o nome à pintura chamou a atenção", diz o professor.
Leônia, por sua vez, não concorda com Chiarelli: "Se originalidade deixou de ser originalidade, como o professor Chiarelli está dizendo, então o que vou dizer?".
"Ninguém tem o direito de retirar o prêmio da senhora e ninguém tem o dever de conhecer todas as obras do mundo", diz ela. "Mas acho que o júri deveria ter a humildade de reconhecer o erro."
Ao que Chiarelli responde: "É polêmico? É! Mas a arte se discute; o resto é que se calcula".


Texto Anterior: Outra Frequência: Agora, Favela FM tem até entrevista com presidenciáveis
Próximo Texto: Quarta edição do prêmio ainda aceita inscrições
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.