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LITERATURA
Jornalista é tema de volume do "Cadernos de Literatura Brasileira"
Millôr Fernandes tem sua obra "ocasional" devassada
ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL
A carreira de Millôr Fernandes,
80, sempre foi gerida pelo "ocasional". Esta é a palavra com que o
jornalista explica suas andanças
por inúmeras redações de jornais
e revistas nacionais e sua atuação
em diversificadas áreas artísticas,
que abrangem tanto a charge
quanto a tradução literária.
"As coincidências em minha vida estão acima da compreensão
humana, fora da possibilidade estatística, entrando pela magia e
pela metafísica. Com esses acontecimentos não tento nem a ridícula possibilidade de entender. E,
por favor, não venham me explicar", escreveu Fernandes por e-mail, de seu ateliê no Rio.
Da variedade, uma obra foi se
consolidando ao longo de mais de
60 anos, desde a criação do pseudônimo Vão Gôgo com o qual assinava a coluna "Poste-Escrito",
sucesso da revista "A Cigarra" de
1939. De lá para cá, essa produção
"ocasional" reunida é suficiente
para preencher as páginas de um
alentado volume do "Cadernos de
Literatura Brasileira", editado pelo Instituto Moreira Salles, que será lançado hoje no Rio.
"Me sinto -e não estou brincando- como Mestre Vitalino
ou o Bispo do Rosário sendo examinados pelos que entendem",
diz o autor de seu refúgio em Ipanema, bairro onde mora desde de
1954, no Rio.
Cidade que é, aliás, o mundo de
Fernandes, que não hesita em
afirmar na longa entrevista publicada no "Cadernos': "Eu não vivo
no Brasil, eu vivo no Rio de Janeiro". Por isso, as fotos da seção
"Geografia Pessoal" mostram o
seu universo das praias, dos teatros e do Méier natal (na zona
norte do Rio), as paisagens que
alimentam ainda hoje a criatividade do chargista e escritor.
"O "Cadernos" ajuda a dourar
mais um mito. O que vai me fazer
ridicularizado no Méier, cuja
maior glória até ontem era a grande Fada Santoro."
E é da faceta teatral do mito Millôr, que já conheceu o sucesso
com "O Homem do Princípio ao
Fim" (1967), "É..." (1977) e "Os
Órfãos de Jânio" (1980), que o livro traz o primeiro e último quadros da inédita "Kaos", escrita em
1995, além das anotações do autor
para "Duas Tábuas e uma Paixão"
(1982), nunca montada, e trechos
de "Últimos Diálogos", um roteiro pedido pelo cineasta e colunista da Folha Walter Salles.
"Nunca vou a médico, mas duas
vezes por ano vou a um oculista.
Mandei imediatamente o "Cadernos" para ele, o dr. Ghiarone, para
que me diga como devo enxergar
minha obra, depois deste trauma
oftalmológico", diz.
Esse processo de devassamento
de sua vida e obra, Fernandes já
vinha experimentando desde o
advento da internet. "Eu me sinto,
claro, devassado. Mas isso já era
um sentimento que vinha crescendo com o impudor da internet. Todo mundo lê coisas da gente -e até coisas que não são da
gente- e colocam na internet.
Perdi meu recato, a minha privacidade. Havia coisas minhas que
eu não queria ver publicadas, pelo
menos não queria ver repetidas."
Mas o que parece tocá-lo mais é
a parte teórica do "Cadernos",
que traz ensaios sobre o patrimônio humorístico do autor (por
Elias Thomé Saliba), seu teatro
(por Mariangela Alves de Lima),
suas traduções teatrais (por Maria
Sílvia Betti) e seu trabalho como
artista plástico (por Sheila Leirner), além de um estudo complementar sobre o riso e o humor na
filosofia (por Márcio Suzuki).
"Não, não, não me mete nisso.
Deixa eu ir à minha praia em passo curto, caminhando na direção
contrária", desconversa.
CADERNOS DE LITERATURA
BRASILEIRA - MILLÔR FERNANDES.
Lançamento: hoje, das 19h às 22h. Onde:
Instituto Moreira Salles (rua Marquês de
São Vicente, 476, Rio; tel. 0/xx/21/3284-7400). Quanto: R$ 40 (184 págs.).
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