UOL


São Paulo, quinta-feira, 21 de agosto de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GASTRONOMIA

Arqueologia do vinho

NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA

Fiz a última crônica sobre meu péssimo nariz vinícola e recebi muitos e-mails de gente de nariz bom e outras de nariz ruim como o meu. Entre elas, a dessa arqueóloga que me mandou uma garrafa de vinho que, se não cheirava a framboesas (para mim), era bom demais. Encerro aqui minhas crônicas sobre o assunto vinho. Oi, Jorge Carrara, meu colega de página, não vá, só de vingança, começar a falar em galinha com angu!
E falei também sobre o restaurante Julia e sua bela e boa Paola Carosella... Mas não dei o endereço! Passamos o fim de semana, meu marido e eu, respondendo a e-mails sobre o endereço, que vai hoje, aqui, em letras garrafais. Restaurante Julia Cocina, rua Araçari, 200, Itaim Bibi, São Paulo, tel. 0/xx/11/3071-1377.
E, por falar em uva, o jornalista Dib Carneiro Neto escreveu um livro, pequenino com certeza, em que ele exorciza ambas as avós, a da folha de hortelã e a da folha de uva ("A Hortelã e a Folha de Uva", 100 págs., R$ 21, DBA). As avós libanesas imigrantes cedem suas receitas e, muito mais do que isso, dão testemunho da imigração dos costumes de boca, envolvem o neto com suas comidas, suas histórias, os jeitos de ser, as vidas corajosas.
Escreve muito bem o Dib, vale a pena comprar o livro, você nunca mais vai se esquecer das duas avós dele. Mesmo que não faça os quibes.
E abaixo o e-mail que achei que interessaria vocês.
"Nina, li sua crônica "Cheiro de Framboesas?" e achei divertida, porque vivi tudo igual e não é para desanimar você, mas não consegui mudar! Mas, no processo, o que acho que pode lhe interessar, por ser duplamente saboroso, é o seguinte: eu trabalho com arqueologia na Itália e ensino na USP (Departamento de História da FFLCH) arqueologia, história antiga e cultura material.
Há cerca de 20 anos, eu me regalava com o vinho que os operários da escavação traziam para o almoço. Feito em casa, havia sempre uma disputa pelos votos de qualidade. Almoços inesquecíveis! Fritada com escargôs (ali chamados de lumache ou sciamarucche), que eles tinham vergonha de repartir comigo por ser considerada -pelos citadinos de locais com 10 mil habitantes- como coisa de... cafoni della campagna! Eu contava que era do interior de São Paulo, que na capital também nos chamavam de caipiras, e garantia meu pedaço! E quando eles traziam tartuffo ou porcini frescos? E carne de faisão caçado por eles? Ou seja, a arqueologia era um opcional!
Voltando aos vinhos, a qualidade era tão boa que os incentivei a se unirem, a produzirem para venda, a crescerem. O incentivo deu origem a uma cooperativa de viticultores e, a seguir, construíram uma cantina, a Val Biferno, por causa do vale onde se situa e onde todos nós sempre trabalhamos. Trata-se de um pequeno vale médio-adriático, hoje parte da pouco conhecida região Molise.
A cantina Val Biferno começou a produzir e, em menos de dez anos, conseguia cinco DOCs [sigla para Denominação de Origem Controlada] e dois IGTs [Indicação Geográfica Típica]! O vinho era mesmo excelente. Mas, pouco conhecido, estava sendo vendido em caminhões-tanque para os produtores de Chianti, que o misturavam, talhavam etc. e vendiam como Chianti. Isso provocava neles uma enorme frustração e, com muita conversa, começaram a pensar no mercado exterior. Primeiro passo, mudar o rótulo: ali está, agora, o anfiteatro romano onde todos nós escavamos!
E, do contato com tanto arqueólogo, os nomes se referem à história local, como o Osco Liburno (um IGT) e a eterna homenagem ao nosso vale (Biferno Rosso, Biferno Bianco) e à região (Molise Montepulciano, Molise Trebbiano), todos DOC, e o especial Biferno Rosso Riserva, envelhecido quatro anos em tonéis de carvalho que, quando chegaram da Eslovênia, nos deixaram com as escavações paradas por uma semana, tão grande foi a festa.
Esse reserva -pois no sul da Itália ainda se tem a França como referência- foi chamado de... Molisieur (segundo eles, Signor Molise...). E aí entra minha colherinha torta. Convenci uns amigos a importarem esse vinho no Brasil e chegou um contêiner. Foi chamado o enólogo Everaldo Santos, que era o sommelier do biênio em 2002, para analisar e apresentar o vinho. Ele ficou encantado e disse que havia muito tempo não provava um vinho tão genuíno e tão sério. Fizemos outra avaliação, na Gran Vin, que talvez você conheça. As notas foram altas: 76, 81, 84. Considerando os preços, é um ótimo custo-benefício (vão de R$ 12 a R$ 59), em depósito frigorificado, sem quase ser vendido! Está saindo para particulares e em alguns restaurantes. Marlene."
Parece bom, não é? Cheirarão a framboesas silvestres?
Campi Flegrei do Brasil Importadora: telefone 0/xx/11/6121-6516; e-mail campiflegrei@terra.com.br.

ninahort@uol.com.br


Texto Anterior: Fotografia: Em sua primeira exposição do ano, Masp recebe coleção Pirelli
Próximo Texto: Mundo gourmet: Villa Amalfi abraça fórmula simples de pizza e grelhados
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.