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GASTRONOMIA
Arqueologia do vinho
NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA
Fiz a última crônica sobre meu
péssimo nariz vinícola e recebi muitos e-mails de gente de nariz bom e outras de nariz ruim como o meu. Entre elas, a dessa arqueóloga que me mandou uma
garrafa de vinho que, se não cheirava a framboesas (para mim),
era bom demais. Encerro aqui minhas crônicas sobre o assunto vinho. Oi, Jorge Carrara, meu colega de página, não vá, só de vingança, começar a falar em galinha
com angu!
E falei também sobre o restaurante Julia e sua bela e boa Paola
Carosella... Mas não dei o endereço! Passamos o fim de semana,
meu marido e eu, respondendo a
e-mails sobre o endereço, que vai
hoje, aqui, em letras garrafais.
Restaurante Julia Cocina, rua
Araçari, 200, Itaim Bibi, São Paulo, tel. 0/xx/11/3071-1377.
E, por falar em uva, o jornalista
Dib Carneiro Neto escreveu um
livro, pequenino com certeza, em
que ele exorciza ambas as avós, a
da folha de hortelã e a da folha de
uva ("A Hortelã e a Folha de Uva",
100 págs., R$ 21, DBA). As avós libanesas imigrantes cedem suas
receitas e, muito mais do que isso,
dão testemunho da imigração dos
costumes de boca, envolvem o neto com suas comidas, suas histórias, os jeitos de ser, as vidas corajosas.
Escreve muito bem o Dib, vale a
pena comprar o livro, você nunca
mais vai se esquecer das duas avós
dele. Mesmo que não faça os quibes.
E abaixo o e-mail que achei que
interessaria vocês.
"Nina, li sua crônica "Cheiro de
Framboesas?" e achei divertida,
porque vivi tudo igual e não é para desanimar você, mas não consegui mudar! Mas, no processo, o
que acho que pode lhe interessar,
por ser duplamente saboroso, é o
seguinte: eu trabalho com arqueologia na Itália e ensino na
USP (Departamento de História
da FFLCH) arqueologia, história
antiga e cultura material.
Há cerca de 20 anos, eu me regalava com o vinho que os operários
da escavação traziam para o almoço. Feito em casa, havia sempre uma disputa pelos votos de
qualidade. Almoços inesquecíveis! Fritada com escargôs (ali
chamados de lumache ou sciamarucche), que eles tinham vergonha de repartir comigo por ser
considerada -pelos citadinos de
locais com 10 mil habitantes-
como coisa de... cafoni della campagna! Eu contava que era do interior de São Paulo, que na capital
também nos chamavam de caipiras, e garantia meu pedaço! E
quando eles traziam tartuffo ou
porcini frescos? E carne de faisão
caçado por eles? Ou seja, a arqueologia era um opcional!
Voltando aos vinhos, a qualidade era tão boa que os incentivei a
se unirem, a produzirem para
venda, a crescerem. O incentivo
deu origem a uma cooperativa de
viticultores e, a seguir, construíram uma cantina, a Val Biferno,
por causa do vale onde se situa e
onde todos nós sempre trabalhamos. Trata-se de um pequeno vale médio-adriático, hoje parte da
pouco conhecida região Molise.
A cantina Val Biferno começou
a produzir e, em menos de dez
anos, conseguia cinco DOCs [sigla para Denominação de Origem
Controlada] e dois IGTs [Indicação Geográfica Típica]! O vinho
era mesmo excelente. Mas, pouco
conhecido, estava sendo vendido
em caminhões-tanque para os
produtores de Chianti, que o misturavam, talhavam etc. e vendiam
como Chianti. Isso provocava neles uma enorme frustração e, com
muita conversa, começaram a
pensar no mercado exterior. Primeiro passo, mudar o rótulo: ali
está, agora, o anfiteatro romano
onde todos nós escavamos!
E, do contato com tanto arqueólogo, os nomes se referem à história local, como o Osco Liburno
(um IGT) e a eterna homenagem
ao nosso vale (Biferno Rosso, Biferno Bianco) e à região (Molise
Montepulciano, Molise Trebbiano), todos DOC, e o especial Biferno Rosso Riserva, envelhecido
quatro anos em tonéis de carvalho que, quando chegaram da Eslovênia, nos deixaram com as escavações paradas por uma semana, tão grande foi a festa.
Esse reserva -pois no sul da
Itália ainda se tem a França como
referência- foi chamado de...
Molisieur (segundo eles, Signor
Molise...). E aí entra minha colherinha torta. Convenci uns amigos
a importarem esse vinho no Brasil
e chegou um contêiner. Foi chamado o enólogo Everaldo Santos,
que era o sommelier do biênio em
2002, para analisar e apresentar o
vinho. Ele ficou encantado e disse
que havia muito tempo não provava um vinho tão genuíno e tão
sério. Fizemos outra avaliação, na
Gran Vin, que talvez você conheça. As notas foram altas: 76, 81, 84.
Considerando os preços, é um
ótimo custo-benefício (vão de R$
12 a R$ 59), em depósito frigorificado, sem quase ser vendido! Está
saindo para particulares e em alguns restaurantes. Marlene."
Parece bom, não é? Cheirarão a
framboesas silvestres?
Campi Flegrei do Brasil Importadora: telefone 0/xx/11/6121-6516; e-mail campiflegrei@terra.com.br.
ninahort@uol.com.br
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