São Paulo, domingo, 21 de agosto de 2005

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Cartilha está a cargo de uma índia

DA REPORTAGEM LOCAL

Doutoranda em lingüística pela Universidade Federal de Alagoas e professora da Funai, Maria das Dores de Oliveira pertence à etnia indígena pancararú (do município de Tacaratú, Pernambuco). Sua tese intitula-se "Descrição de uma Língua Indígena Brasileira" e tem ênfase na fonologia e gramática ofaié, com aplicação dos resultados na educação escolar da etnia. Leia a seguir a entrevista que ela deu à Folha. (ES)

Folha - De que consiste sua pesquisa?
Maria das Dores de Oliveira -
Minha pesquisa está orientada para duas perspectivas: uma puramente lingüística, que é verificar como a língua está organizada internamente e descrever tal organização; outra, direcionada para aplicação dos resultados na educação escolar dos ofaiés, com sugestões de escrita da língua.

Folha - Quais são algumas peculiaridades da língua?
Maria das Dores -
O ofaié não faz a distinção morfológica entre presente, passado e futuro, como o português, para termos um parâmetro de comparação. Assim, enquanto em português dizemos "eu mato" e "eu matei", em ofaié há apenas uma forma para os dois tempos: "ta oketxi kãj". O falante pode fazer a distinção, mas isso é feito com advérbios e não mudando o verbo.

Folha - Quais as reais chances de sobrevivência do ofaié?
Maria das Dores -
Acredito ser possível a revitalização da língua, pois ainda existem falantes e há um conjunto de situações que pode contribuir com seu fortalecimento. Como a atitude mais positiva dos falantes em relação à língua, ou seja, a vontade declarada de que ela seja preservada. Para isso, um caminho é propor meios de fazê-la ser utilizada mais intensamente e colocá-la na escola para que as crianças compreendam que a sua língua tem uma função social na comunidade. Isso não depende somente dos ofaiés. Eles precisam do nosso apoio através da pesquisa lingüística.

Folha - Como o fato da sra. também vir de uma comunidade indígena influencia sua pesquisa?
Maria das Dores -
A minha condição étnica sempre pesa nas minhas decisões de atuação. Primeiro porque desde cedo aprendi que se deve lutar contra uma série de situações que tornam o índio invisível socialmente. Então, manter valores socioculturais é fortalecer a identidade e marcar nossa existência enquanto povo distinto. A língua é um símbolo importante de identidade étnica dos ofaiés. Por isso, eles não querem perdê-la.


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