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CRÍTICA POESIA
Reedição traz poesia mística de Tolentino
Record reedita "As Horas de Katharina", do poeta Bruno Tolentino (1940-2007), prêmio Jabuti de 1995
VINICIUS TORRES FREIRE
COLUNISTA DA FOLHA
Bruno Tolentino era um
desconhecido quando publicou em 1994 "As Horas de Katharina", logo depois de voltar ao Brasil.
Vivera quase três décadas
na Europa e editara três livros obscuros de poesia. Ficaria notório ao travar discussões desaforadas com os
partidos predominantes nas
letras paulistas, como os concretistas e críticos da USP.
O livro, Prêmio Jabuti de
poesia em 1995, acaba de ser
reeditado. Continua quase
ignorado pela crítica, mas
Tolentino ganhou um círculo
fervoroso de admiradores,
que o têm na conta de poeta
maior da língua portuguesa.
O assunto do livro é a memória mística de uma nobre
nascida em 1861, encerrada
ainda jovem num convento
das carmelitas descalças, explica o autor no proêmio dos
166 poemas.
Katharina passa pelos tormentos da renúncia do mundo, reflete sobre o caminho
tortuoso da conversão e da
aceitação do sacrifício; contempla obsessivamente os
mistérios da fé.
Mas Katharina "poderia
ser com certeza qualquer um
desses inconfessos filhos que
Deus ama e reclama", escreve Tolentino, que teria sido
monge não fosse a exigência
do celibato, disse uma vez.
Em pleno século do ultramundanismo, Tolentino decidiu então encarnar a voz de
uma freira que relata uma típica paixão mística em canções feitas de redondilhos,
em sonetos e outros formatos
da tradição do verso.
O projeto é estranho o bastante para ser interessante.
Mas suas ideias religiosas
são fantasmas anacrônicos.
Suas formas poéticas são esqueletos em que foram rebocadas massas de banalidades num tom em que o sacro
tropeça no cômico, em que a
linguagem elevada e sublime
se mistura de modo destrambelhado à fala cotidiana, como se Roberto Carlos tentasse encarnar Rainer Maria Rilke com traços de Teixeirinha.
O livro é repleto de referências a poetas e místicos como
os santos João da Cruz e Teresa de Ávila, fundadores dos
carmelitas descalços, que
pregavam o retorno a um monasticismo rigoroso.
Os santos, porém, viviam
os dramas reais da Reforma
católica, quando a Igreja procurava um rumo, abalada pelos protestantes e pelo racionalismo. João da Cruz chegou a ser torturado pela ordem que procurava reformar.
Seus poemas sobre a "noite
escura da alma" refletem as
dúvidas do período de provações. "As Horas de Katharina" macaqueia um drama espiritual do século 16.
Os textos ficam entre o
narrativo ou descritivo tediosos, entremeados de metáforas batidas. O recurso às formas da tradição quase não
passa de um modo de cortar
o "raciocínio culto" do poeta
em linhas mais ou menos
curtas (não são bem versos).
Há um excesso de "enjambements"; muitos hiatos e
cacófatos de doer no ouvido.
O ritmo é pedregoso por ser
inepto. Aas tentativas de variações timbrísticas são atropeladas por uma sucessão de
rimas involuntariamente cômicas de tão vulgares.
Leia-se o poema "Via Crucis", ao lado. Katharina compara de modo juvenil-blasfemo o início de seu claustro à
paixão de Jesus num tom em
que as rimas em "idade"
soam a fofocas de comadres.
Há pior. Aqui e ali se "tece
uma nova aurora", aparecem
"rosas do fugaz", "nuvens
cálidas", "opalas lânguidas". Se dá vontade de rir
com "lei nenhuma, aqui se
cabe/ num código de Hamurabi", leia-se "Ó Santa Escolástica,/ irmã de São Bento,/
Que horrenda ginástica/ o arrependimento/ segundo o
sagrado/ concílio de Trento."
Ou "a coisa inanimada,/
longe ou perto,/ tardinha ou
madrugada,//é sempre igual
a si./ A criatura não./ O ser é
uma emoção./ Eu sou feita de
tudo o que senti."
Enfim, como diz o poeta
em "E a ratoeirazinha", em
autoironia involuntária: "...Ó
fingida/ alma minha apaixonada,/ muito cuidadinho a
cada/ nova sílaba sofrida".
AS HORAS DE KATHARINA
AUTOR Bruno Tolentino
EDITORA Record
QUANTO R$ 54,90 (400 págs.)
AVALIAÇÃO ruim
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