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CRÍTICA ROMANCE
Mistura de ensaio e ficção diminui impacto da tese de "Ilusão da Alma"
FLÁVIO MOURA
ESPECIAL PARA A FOLHA
O novo livro de Eduardo
Giannetti adota um formato
em voga na prosa contemporânea: a mistura entre ficção
e ensaio. A proposta é discutir a relação entre o cérebro e
a mente a partir dos filósofos
antigos e estender o problema até o debate mais recente
sobre neurociência.
É esse o tema de um ensaio
que ocupa dois terços do livro. No terço restante, acompanhamos um personagem
que extrai um tumor da cabeça e se torna obcecado pelo
funcionamento da mente humana. O ensaio que lemos
tem como autor este mesmo
personagem.
Mas o que seria a novidade
do livro -a hibridez do formato- é também sua fragilidade: fica a meio caminho
entre o romance de ideias e a
divulgação científica e deixa
dúvidas sobre sua eficácia
em cada um dos campos.
Giannetti não é neófito na
ficção. Pelo contrário: o personagem que constrói tem
espessura. Quem conta a história é um professor de literatura especialista em Machado de Assis. Como tal, adota
os mesmos trejeitos dos narradores machadianos. Giannetti é hábil nessa transposição e escreve com mão leve.
Mas seu interesse não é explorar as ambiguidades de
seu narrador: prefere usá-lo
como escada para os trechos
de não ficção do livro. E a separação entre os dois formatos é estanque: a seção ensaística vem grafada em fonte diferente ao fim do livro,
encontram-se as notas de pé
de página correspondentes.
O narrador toma partido e
defende uma tese: ele argumenta em favor do "fisicalismo", segundo o qual a vida
psíquica, a experiência subjetiva, a "mente" e a "alma"
não seriam mais que subprodutos do funcionamento químico do cérebro.
É uma trilha rica para discussão, mas que não casa
com o formato híbrido nem
com o didatismo que predomina no restante do livro.
Nas mãos de um professor
fictício, a tese do "fisicalismo" apresenta menos força
como convite ao debate intelectual do que se fosse endossada diretamente pelo professor real -o autor do livro.
Usado como álibi, o fundo
ficcional enfraquece o ensaio, de resto bem construído, e contribui mais para torná-lo prolixo do que para
acrescentar novas camadas
de sentido.
Autor de trabalho recente
intitulado "O Livro das Citações", Giannetti segue na
mesma toada. Desfia número
incontável de autores de registro elevado, mas dá pouca
atenção às mediações entre
eles: Machado de Assis e Demócrito, Fernando Pessoa e
Descartes são lembrados
com a mesma naturalidade,
como se a fama e o prestígio
de cada um bastassem para
conferir legitimidade às máximas que enfileiram sobre a
"alma humana".
Giannetti poderia crescer
como ficcionista se investisse
no seu narrador e no tom machadiano que encontrou para ele. Mas o canto da sereia
dos temas nobres o guiou em
outra direção.
FLÁVIO MOURA é jornalista e mestre em
sociologia pela USP
A ILUSÃO DA ALMA:
BIOGRAFIA DE UMA IDEIA
FIXA
AUTOR Eduardo Giannetti
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 46 (253 págs.)
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