São Paulo, sexta, 21 de agosto de 1998

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PATRIMÔNIO DILAPIDADO
Santos ficam trancados em esconderijos

CARLOS HENRIQUE SANTIAGO
da Agência Folha, em Ouro Preto

Santos das igrejas setecentistas de Minas Gerais estão trancados em cofres e locais sigilosos para evitar os roubos de peças sacras. Só neste ano, a polícia recuperou 152 peças roubadas.
As estátuas, incluindo algumas que chegam a valer R$ 300 mil, só deixam seus esconderijos uma vez por ano, por ocasião da festa da padroeira da igreja.
Durante o restante do ano, elas ficam ocultas dos olhares de curiosos, turistas e até mesmo dos fiéis.
Em uma igreja da zona rural de Ouro Preto (MG), grades brancas encarceram cerca de 70 peças, a grande maioria do século 18. Entre elas está uma imagem de Nossa Senhora do Carmo, atribuída a Aleijadinho, o maior artista brasileiro do período barroco, e tombada pelo patrimônio nacional.
Também conjuntos de peças maciças de prata, feitas no século 18, ocupam um cômodo inteiro no distrito de Cachoeira do Campo e quase nunca são expostos.
Dom Luciano Mendes de Almeida, arcebispo de Mariana (MG) -arquidiocese onde estão as principais cidades históricas de Minas Gerais, como Ouro Preto-, diz que a revelação dos locais onde estão as imagens pode colocar famílias em risco.
Ele concordou que a Folha fotografasse os esconderijos dos santos, desde que não fossem revelados detalhes que pudessem levar à identificação de imagens valiosas e a sua localização pelos ladrões.
Os esconderijos ficam nas próprias igrejas ou em casas particulares, mas um acordo tácito mantido pela população impede que sua localização, seu conteúdo e o segredo para abri-los sejam conhecidos por forasteiros.
Somente os alarmes não seriam suficientes para impedir os roubos, porque muitas igrejas ficam na zona rural, a dezenas de quilômetros do próximo posto policial.
A prisão de dois integrantes de uma das principais quadrilhas de imagens sacras que agia no país levou a polícia à recuperação de 152 peças que estavam em poder de antiquários paulistas.
No entanto, ladrões continuam levando medo à população das cidades históricas.
Há um mês, foram transferidas 170 imagens e peças de prata do século 18 para o Museu Arquidiocesano de Arte Sacra de Mariana, depois que uma quadrilha descobriu que elas estavam no quintal de uma casa de um distrito da zona rural. Entre elas, havia uma imagem de Santana Mestra que valeria, segundo especialistas, pelo menos R$ 100 mil.
Mesmo com o risco iminente, alguns moradores ainda resistem em entregar alguns santos e os mantêm em casa para manter a tradição religiosa de três séculos e a identidade cultural de cada localidade.



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