São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Jovem Piano

Quatro músicos, todos com menos de 35 anos, relembram o primeiro contato com os teclados e falam da cena atual, em que tocam de Villa-Lobos a Radiohead


O produtor musical Felipe Senna, 28, participa da montagem de "Os Produtores"

Quando tinha sete anos, Vitor Araújo ganhou um teclado Casio do pai. Aos oito, tocava tudo o que ouvia na TV e as músicas executadas na rádio. Mas, ele conta, "sabia relativizar o que podia fazer e o que estava fazendo". Assim, aos dez, trocou o teclado pelo piano, para "ouvir o som rústico do martelo batendo na corda, mais carnal, mais orgânico". Hoje, aos 19 anos, já estrelou festivais e se firma como nome importante do piano. "Eu sempre fui agoniado por aquele som", conta.

 

Vitor é o mais jovem de quatro pianistas que estão (como diz um deles, Yaniel Matos) "en movimiento". Lançou neste ano seu primeiro dual disc, DVD de um lado, CD do outro, em que executa de Villa-Lobos a Tom Zé; Yaniel, 33, gravou o primeiro disco solo e fez shows no Auditório Ibirapuera; Felipe Senna, 28, faz a direção musical de "Os Produtores", em que toca piano e rege uma orquestra, e fará shows na França em novembro; André Mehmari, 31, divulga "De Árvores e Valsas", álbum com composições suas; tem concerto com a Banda Sinfônica em outubro e com a Osesp em novembro.

 

André Mehmari dividiu com o piano a atenção da mãe, Cacilda, que tocava na sala da casa da família, em Niterói. Em abril de 1977, aliás, ela estava ao piano minutos antes de correr para o hospital onde faria o parto de Mehmari. "Já havia o piano em casa. É difícil precisar quando foi exatamente que o interesse pela música surgiu", diz ele.

 

O que pode afirmar é que entrou na escola de música aos oito; aos 11, já era profissional -mesmo sem estudo formal, que só começou em 1995 na USP. Aos 14, compôs 21 peças líricas para estudo de crianças e, hoje, contabiliza "dez discos, canções, peças sinfônicas e de câmara, arranjos mil, participações em vários CDs". "O piano é uma espécie de "varinha mágica" com que realizo meus desejos musicais com maior facilidade, na medida em que eles surgem", afirma. Além da "varinha mágica" do piano, Mehmari é capaz de tocar, contam amigos, qualquer artefato musical que lhe cai nas mãos. "Tenho uns 20 instrumentos em casa", diz ele, que acabou de comprar um cravo, cópia de um modelo italiano Giusti de 1682. "Vem da minha grande paixão pela música barroca, especialmente a veneziana do século 17."

 

Já Felipe Senna faz a linha mais pop. Estudou piano erudito desde os tempos da casa da avó, em Atibaia. "O piano ficava sabiamente num quarto, com a criança barulhenta trancada lá dentro", conta. Ele diz que "nunca" vai deixar de tocar Beethoven, Liszt e Rachmaninov, mas quer executar "música nossa, nova, brasileira". Primo de segundo grau de Ayrton Senna, Felipe fuma Marlboro Light e usa um grande óculos Ray-Ban. A orelha esquerda está marcada por pontos de acupuntura. "De tédio, eu não morro", diz. "Eu escolhi, como pianista, não ser erudito. Sou do meio popular. Não vou marcar recital para tocar prelúdios de Rachmaninov. Descobri que subir ao palco sem saber o que ia acontecer era mais divertido." Em novembro, ele parte para a França com o percussionista Marcelo Costa para uma temporada de shows. Quando voltar, termina de gravar um disco com seu trio, ainda sem nome. "Um instrumentista nunca pára de estudar. Está sempre em busca de uma sonoridade", conclui.

 

"Não estamos fazendo música ainda. Vamos lá!" É o cubano radicado no Brasil Yaniel Matos, que grita aos cinco músicos durante um ensaio. De tênis All Star e boina, ele prepara a banda para os shows de seu primeiro CD solo. "Os músicos brasileiros são diferentes dos cubanos. Aqui, com 18, começam a estudar." Em Cuba, ele conta, era diferente. Com oito anos, ele já estudava violoncelo, mas, na escola, o piano era obrigatório. Aos 18, era o primeiro violoncelo da Orquestra Sinfônica de Santiago e, aos 24, deveria assumir a regência. "A qualidade do ensino musical em Cuba tem a ver com a relação com a União Soviética. Os russos têm tradição em música. Nós herdamos isso", afirma ele, que desistiu da carreira de maestro em Cuba quando veio a SP para um show, há oito anos.

 

"Em Cuba, eu já era de um grupo de cinco ou seis pianistas que reinventaram a forma de tocar", orgulha-se. "Pirei no Brasil, nos índios", diz ele, que tocou com Carlinhos Brown e com o Buena Vista Social Club. "O que vejo é que os jazzistas brasileiros fazem mais sucesso fora que aqui, como Airto Moreira [brasileiro radicado há mais de 40 anos nos EUA]. Em Cuba, infelizmente, está acontecendo isso. Estamos vendo de longe nossos ídolos", avalia.

 

Vitor Araújo ouve Radiohead, Coldplay, Kurt Cobain; não abre mão de Hermeto Paschoal e Egberto Gismonti. Os ídolos mais pops refletem em resultados como, por exemplo, o prêmio Nick, em que crianças o elegeram o artista revelação de 2008. "Não gosto da velha técnica dos eruditos de fingirem que não tem ninguém vendo", diz. "Eu gosto de ser considerado um artista."

Reportagem AUDREY FURLANETO


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