São Paulo, domingo, 21 de setembro de 2008

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Filme será crítico, mas não político, diz diretor

Foco na polícia será maior na conduta após a morte de Jean Charles do que no crime

Para Goldman, viés político exigiria olhar anterior para a polícia brasileira, mais "truculenta'; acobertamento foi o mais grave, avalia

DE LONDRES

O filme sobre a vida e a morte de Jean Charles de Menezes será crítico com a polícia londrina, mas não será "político". Baseados em Londres há anos, os dois roteiristas, Henrique Goldman (que também é o diretor) e Marcelo Starobinas, fazem a mesma comparação: em relação à polícia brasileira, a britânica ainda é exemplar.
"É a história da morte de um emigrante, triste, mas é um filme "life-affirming", pra cima. Não é um filme político. A polícia fez uma cagada, fez merda e tal. Mas, se fôssemos fazer um filme político, teríamos de olhar antes para a nossa própria polícia, que é muito pior", diz Goldman. "A esperança nossa é fazer uma coisa que toque as pessoas. A idéia é fazer um filme popular", completa.
O foco na questão policial, afirma Starobinas, será muito mais na atuação da polícia nos momentos que se seguiram à morte. "A polícia daqui não é truculenta que nem a polícia no Brasil. É uma outra polícia. Quando a gente compara com esses caras do Brasil, eles aqui são umas moças. Mais do que a morte do Jean Charles, a gente vai criticar o cover-up [o acobertamento que se seguiu a ela]", diz ele.
A polícia londrina levantou uma série de suspeitas sobre Jean Charles e escondeu o erro crasso mesmo quando já sabia que havia matado um inocente. Ele foi confundido com um dos terroristas que no dia anterior tinha lançado um ataque suicida fracassado em Londres.
Duas semanas antes, quatro atentados simultâneos haviam deixado 52 mortos em três pontos do metrô e em um ônibus. "O erro da morte é horrível, um absurdo. Mas não pode tirar do contexto, naquele dia havia quatro homens-bomba soltos. Eles estavam em uma situação crítica."
Nenhum dos policiais envolvidos foi julgado, mas a polícia teve de pagar ao governo uma multa de 175 mil libras (em torno de R$ 525 mil) por colocar a vida da população em risco (veja o desenrolar do caso no quadro ao lado).

Londres e Paulínia
A cena da morte foi gravada numa parte abandonada da estação do metrô de Charing Cross, comumente cedida para as autoridades britânicas para a filmagem de cenas em que o metrô londrino é retratado.
Ao todo, foram cinco semanas de filmagens no Reino Unido -ainda será feita mais uma semana no Brasil, em Paulínia (SP), que vai servir de cenário para Gonzaga (MG), cidade natal de Jean Charles.
Até agora não houve nenhum problema com o governo ou a polícia, mas o histórico turbulento do filme levou a produção a adotar cautela. Em 2006, a rede estatal britânica BBC cancelou a produção do longa. Na época, Goldman disse que o problema aconteceu porque ele queria fazer um filme sob o ponto de vista brasileiro, e eles, com a visão inglesa.
"Eles queriam focar nas mazelas policiais, e eu estava interessado no aspecto brasileiro do caso", afirmou, então. "Não houve censura."
No mês passado, estreou em Londres um filme baseado no assassinato de Jean Charles, com foco na atuação da polícia, chamado "Shoot on Sight" (algo como "atire no ato"). Mas, em um movimento simplista, a vítima inocente é um muçulmano, do sul da Ásia. "É um crime ser muçulmano?", questiona a voz no trailer do filme.

(PEDRO DIAS LEITE)


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