São Paulo, Quinta-feira, 21 de Outubro de 1999
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TEATRO
Paulo Autran celebra seus 50 anos no palco

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

A menos de dois meses de atingir 50 anos da estréia como ator, seu meio século de carreira, Paulo Autran vai ganhando ares -até entonação- de mestre.
Ele segue em cartaz. Hoje mesmo faz uma apresentação de "Quadrante", seu "show", como descreve. Também está distante de esquecer os velhos antagonismos de celebridade no teatro, com rivais como Walmor Chagas e até Sérgio Cardoso, como se percebe em poucos minutos de conversa.
Mas é o mestre, o professor, que se vê mais ultimamente, inclusive ao representar "Quadrante".
Ao ensaiar Bete Coelho no monólogo "Pai", anteontem à tarde, ou ao conversar com Ariclê Perez depois de se apresentar no Sesc Ipiranga, à noite, o ator de 77 anos, completados no dia 7 de setembro, vai distribuindo experiência, temperança -e um fascínio perene pelo palco.
Diz ele, sobre dirigir "Pai", que estréia mês que vem: "Eu adoro dirigir o ator. Gosto de ver o personagem surgindo. Sou um diretor de ator, não de espetáculo". Em "Quadrante", as suas primeiras frases, tiradas da peça "Liberdade, Liberdade": "Sou um homem de teatro. Sempre fui, sempre serei um homem de teatro".
Um homem de teatro que surgiu no dia 13 de dezembro de 1949, a estréia como profissional ao lado de Tônia Carrero, em "Um Deus Dormiu lá em Casa", e que uma semana depois ganhou prêmio de melhor ator do ano.
Sobre a estréia, o ator relata em "Um Homem no Palco", livro-entrevista que Autran lançou para marcar o cinquentenário: "Fiquei completamente idiota, convencido. Eu achava que, por um acaso, tinha nascido outro Laurence Olivier no Brasil, e esse Laurence Olivier era eu".
Achava -e moldou muito de sua carreira à imagem de Olivier, firmando o mito aos poucos.
Fez seguidos papéis shakespearianos, de Otelo ao rei Lear, mas deixou escapar Hamlet, objeto do desejo de todo ator. "Quando eu quis, já tinha passado da idade", disse ele ao jornal, sem pesar, mas questionando a atenção exagerada à idade, no Brasil. "Se eu fizesse, seria um escândalo."
"Um Homem no Palco", o livro-entrevista do crítico Alberto Guzik, é a consagração do Laurence Olivier brasileiro. Acompanha a vida de Paulo Autran com uma distância respeitosa, cuidando de não entrar em fatos da intimidade ou simplesmente polêmicos, da carreira.
Da avaliação do TBC como revolucionário ao questionamento renitente da telenovela, o livro traz pouca novidade em comparação a depoimentos anteriores do ator, como em "Atrás da Máscara", também de entrevistas, de Simon Khoury (ed. Civilização Brasileira, 83).
Mas a edição é sóbria, com revisão cuidadosa, fotos bem reproduzidas, em papel cuchê, como fez por merecer o mito sancionado.
Para conhecer o ator, o melhor é ir ao teatro. "Quadrante", que faz hoje à noite a última de suas três apresentações no Sesc Ipiranga, em São Paulo, e que está sempre voltando ao cartaz, traz interpretações virtuosísticas de poesia e prosa, ainda que com certa auto-ironia de Autran.
Nada contra poesia e prosa no palco, mas é na cena teatral final que se dá o deslumbramento, em "Quadrante". O próprio ator fez a edição de "Meu Tio o Iauaretê", cortando trechos, mas mantendo o que o crítico Leo Gilson Ribeiro chama adequadamente de monólogo -e não novela.
Como em Guimarães Rosa, o homem-onça se revela aos poucos, pelas palavras, mas aqui também pelo olhar cada vez mais crispado, pelos gestos, pela ameaça selvagem e pelo medo. É aterrorizante, irracional: faz lembrar, em plano diverso, a atuação como Porfírio Diaz, em "Terra em Transe".
Um Paulo Autran mais acessível e afeito à lenda pode ser encontrado no CD de poemas de Carlos Drummond de Andrade que o ator lança dia 27, em São Paulo. Entre os poemas estão alguns dos mais conhecidos de Drummond, como "Quadrilha", "Poema de Sete Faces" e "José".
A interpretação é inesperadamente menos virtuosística do que nos poemas de "Quadrante". Autran revela as palavras de Drummond sem excessos emocionais, como que seguindo um conselho do poeta, em "Procura da Poesia", que está no CD: "não dramatizes".


Espetáculo: Quadrante Concepção e direção: Paulo Autran Quando: hoje, às 21h Onde: Sesc Ipiranga (r. Bom Pastor, 822, São Paulo, tel. 0/xx/11/3340-2000) Quanto: R$ 5 e R$ 10


Avaliação:     


Disco: Carlos Drummond de Andrade por Paulo Autran Gravadora: Luz da Cidade Lançamento: dia 27, a partir das 19h30, na Fnac (av. Pedroso de Morais, 858, São Paulo, tel. 0/xx/11/867-0022) Quanto: entre R$ 16 e R$ 18
Avaliação:    


Livro: Um Homem no Palco Autor: Alberto Guzik Editora: Boitempo (tel. 0/xx/11/3865-6947) Quanto: R$ 28 (208 págs.)

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