São Paulo, Quinta-feira, 21 de Outubro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CINEMA
Longa-metragem "O Amor e Outros Objetos Pontiagudos" adapta conto do escritor Marçal Aquino ambientado em hidrelétrica
Beto Brant filma a paixão antes do dilúvio

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

O próximo filme de Beto Brant (o diretor de "Os Matadores" e "Ação entre Amigos") será uma adaptação do conto "Sete Epitáfios para uma Dama Branca", de Marçal Aquino.
Mas o nome do filme não será esse, e sim "O Amor e Outros Objetos Pontiagudos", título do livro em que está o conto, e que chega às livrarias esta semana (leia abaixo).
A história se passa à beira de um grande rio no interior do país, onde a construção de uma barragem vai inundar uma enorme área de matas e aldeias indígenas.
Nessa paisagem em transformação desenvolve-se um triângulo amoroso entre personagens vindos de longe. A mulher do engenheiro-chefe da obra envolve-se com um geólogo, subordinado do marido. No conto, a história é narrada em primeira pessoa pelo geólogo.
"O que me interessou de imediato nessa narrativa foi imaginar aqueles três personagens urbanos deslocados naquela paisagem estranha, e a leitura que cada um deles faz daquele lugar", diz Brant, que abandonou um projeto de longa-metragem em andamento, "O Invasor", quando leu, em primeira mão, o conto de Marçal Aquino.
"O Invasor" seria, basicamente, uma história de traição e assassinato entre sócios de uma empresa que tem negócios escusos com o governo.
"Percebi de repente que "O Invasor" seria muito próximo de meus filmes anteriores. Ao ler o conto do Marçal, vislumbrei a possibilidade de mudar de registro", afirma Brant.
De sua parte, Marçal Aquino diz ter se surpreendido com a decisão do amigo cineasta.
"Para mim, era o menos cinematográfico dos textos do livro", afirma o escritor.
"Se eu fosse cineasta, teria escolhido uma das outras histórias, que têm ações expressas, ao passo que nesse conto o que há é uma atmosfera. Existe nele um discurso subjetivo muito forte, que torna difícil pensá-lo em termos de imagem."
De divergências como essa é que se nutre a parceria entre Brant e Aquino, iniciada quando o cineasta escolheu o conto "Os Matadores", do livro "Miss Danubio" (1994), para servir de base a seu primeiro longa-metragem.
Marçal Aquino colaborou no roteiro de "Os Matadores" e no do longa seguinte de Brant, "Ação entre Amigos", baseado também numa história original sua (uma novela que não chegou a ser concluída).
Os dois costumam trabalhar os roteiros com um terceiro parceiro, Renato Ciasca, que será também co-produtor de "O Amor e Outros Objetos Pontiagudos", ao lado de Bianca Vilar.
Embora Brant, 35, só tenha conhecido Aquino, 41, em 1991, quando se interessou em transformar em curta-metragem um dos contos do livro "Fome de Setembro" (projeto que acabou não vingando), uma curiosa coincidência já havia prenunciado o encontro dos dois.
Em 1989, o diretor filmou seu premiado curta "Dov'è Meneghetti" em Amparo (SP), cidade em que Aquino nasceu e viveu até os 27 anos.
"Eu soube que tinha um cara fazendo um filme na cidade, mas não sabia que era o Beto", lembra Aquino.
Embora reconheça que o hábito de ver filmes exerceu grande influência sobre sua literatura, o autor diz que nunca escreve pensando em cinema. "Minha abordagem é essencialmente literária. Nunca penso em meus textos como embriões de filmes."

Gente perturbada
Assim como Beto Brant sobrevive profissionalmente dirigindo comerciais, Marçal Aquino também vive de seu texto, mas não de sua literatura. Trabalha com jornalismo, publicidade e marketing. Sempre escrevendo.
O trabalho de repórter policial, que exerceu nos anos 80 no "Jornal da Tarde", deixou duas heranças à literatura de Aquino: a concisão e a predileção por personagens marginais e situações-limite.
"Gente perturbada é sempre interessante. São pessoas que parecem sempre estar à beira de alguma coisa", define.
"O Amor e Outros Objetos Pontiagudos" deverá ser filmado no próximo ano. A primeira versão do roteiro está pronta. Beto Brant está agora à procura do local ideal para filmar.
"Estamos pesquisando vários lugares em que estão sendo construídas hidrelétricas. O local é muito importante em meus filmes. Em "Os Matadores", eu trouxe para dentro do filme a festa do peão do boiadeiro, o comércio da fronteira. No "Ação entre Amigos", incorporei a briga de galos. Só vou saber a cara de "O Amor..." quando chegar na locação e começar a filmar."


Texto Anterior: Contardo Calligaris: O amor dos pais não é panacéia
Próximo Texto: Livro abre a coleção "Território Brasileiro"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.