São Paulo, sábado, 21 de outubro de 2000

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A LENDA DE RITA
Filme ilumina a onda terrorista na Alemanha

ESPECIAL PARA A FOLHA

"O capital inventou o terrorismo a fim de ser melhor protegido", dizia o comissário de polícia de "A Terceira Geração", filme em que Fassbinder furava, no final da década, a onda terrorista revolucionária que sacudira a Alemanha dos anos 70. É um ponto de vista semelhante que encontraremos num personagem de "A Lenda de Rita": "o terrorismo reforça as defesas da burguesia". Mas o diretor, Volker Schlöndorff, contemporâneo de Fassbinder, está atrasado.
Passaram-se mais de duas décadas e o cineasta continua fazendo o papel do revisionista da geração. O problema em "A Lenda de Rita", no entanto, não é o distanciamento histórico.
Retomemos as palavras do tal personagem, um dirigente da Alemanha Oriental, pois elas parecem corresponder à visão que Schlöndorff guarda de seus personagens: o terrorismo é um rumo temerário, mas como deixar de simpatizar com todo romantismo dos terroristas da esquerda?
É assim que o governo da Alemanha Oriental decide proteger o grupo terrorista de Rita Vogt, foragido da parte ocidental do país. Eis a maior diferença entre o grupo de Rita e os grupos revolucionários brasileiros da mesma época: ter um outro governo na retaguarda. Muito mais fácil passar para a clandestinidade quando se conta com a ajuda de um serviço de inteligência. A luta, no entanto, era a mesma. Afinal, como dizia Rita, a política, nos anos 70, era a mesma guerra por todo o mundo.
Eram todos grupos de jovens romântico-revolucionários lutando inutilmente por um "povo que faltava". Mas Shlöndorff é um diretor frio demais para conseguir retratar o paroxismo utópico de 70. Ele não chega ao centro do turbilhão emocional de seus personagens. Permanece sempre à distância.
De início, o diretor se ampara na ação. O estado emocional dos personagens é apenas uma inferência, assim como a qualidade de suas inter-relações. A estrutura do roteiro, no entanto, parte do pressuposto de que os personagens e, com eles, os espectadores, tenham atingindo tamanha tensão psicológica de início, que todo o resto (isto é, a clandestinidade, "a vida proletária" de Rita) não possa ser sentido senão com um certo alívio, como uma espécie de sobrevida da personagem que é pura fruição existencial.
Tarde demais: Schlöndorff já terá errado a mão e só lhe restará levar com dignidade o seu trabalho até o fim. Ainda assim, trata-se de seu melhor filme nos últimos anos. Uma direção muito técnica e conscienciosa, mas também, e consequentemente, muito fria para um tema assim tão quente.
(TIAGO MATA MACHADO)

A Lenda de Rita
Die Stille nach dem Schuss
   
Direção: Volker Schlöndorff
Produção: Alemanha, 1999
Com: Bibiana Beglau e Martin Wuttke
Quando: hoje, às 14h20 (Cinearte); amanhã, às 14h (Espaço Unibanco)



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