São Paulo, segunda-feira, 21 de outubro de 2002

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26ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SP

Mexicano põe homem frente à sua destruição

SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Para contar a história de um homem que quer se destruir, o mexicano Carlos Reygadas, 31, levou-o, caminhando, até o alto de um canyon. Isolou-o e expôs suas fraquezas a agentes da natureza, o vento, a chuva, a fome, a sede. Também deu-lhe o abrigo de uma velha senhora, e, assim, selou seu caminho rumo à ruína.
"Japón", filme de estréia de Reygadas, além do nome inusitado (não há nenhuma relação entre a trama e o Japão) também surpreende nos desfechos. A relação entre homem e mulher idosa principia como a de um patrão e um empregado, evolui para a de mãe e filho e culmina na transformação de ambos em amantes.
"Quando os dois se encontram, o homem está confundido. Acredita querer uma coisa, e, na realidade, quer outra -o que é, em maior ou menor medida, algo comum a todos os homens. Quanto à mulher, ela é alguém que aceitou o tempo. Mais do que aceitar a destruição, ela percebe o fim de um ciclo natural e um cumprimento dos objetivos vitais. Por isso aceita fazer sexo quando ele a convida", disse Reygadas à Folha.
Premiado no festival de Cannes, Reygadas chegou a ser comparado pela crítica européia a Andrei Tarkovsky (1932-1986), a quem admira. "Há coisas em meu filme que querem se parecer a esboços de Tarkovsky. Mas ele criou um universo a que sempre foi fiel, diante do qual manteve um gosto peculiar e que se sustentava em uma concepção filosófica profunda e coerente. Eu me limito a fazer "travellings" sobre paredes rugosas, não chego nem a seus pés."
"Japón" é a mais nova sensação do cinema mexicano. Este, por sua vez, virou moda nos EUA e na Europa. Na carona do sucesso recente de "Amores Brutos" (Alejandro González Iñárritu, 2000) e "E Sua Mãe Também" (Alfonso Cuarón, 2001), os cineastas mexicanos têm recebido aplausos nos festivais e retorno nas bilheterias.
A revista inglesa "The Economist" chamou a atenção para a "onda mexicana", em artigo recente intitulado "The mexicans are coming!" (os mexicanos estão chegando!). Na primeira quinzena de novembro estréia em 50 salas norte-americanas o polêmico "El Crímen del Padre Amaro", de Carlos Carrera, baseado em romance de Eça de Queiroz.
Reygadas comenta o bom momento do cinema latino-americano em geral: "As pessoas da minha idade, que nasceram na América Latina, têm passado -no melhor dos casos- a metade das vidas em tempos de crise. Pode ser que estejamos fartos de tudo, dos produtores de sempre, dos roteiros de sempre e das famílias de sempre. Quando estamos fartos, queremos gritar e o grito sai assim. Cada vez há mais expressão individual e menos fórmula. Acho que isso define essa nova onda de criadores", conclui.
Sobre a temática da nova geração, o cineasta diz: "Jamais penso em um sentido antropológico. Esta é uma das características do que distingue o cinema atual do que se vem fazendo na América Latina há anos. O cinema do passado levava o "sociológico" ao extremo e assim se fazia cinema étnico. É verdade que o protagonista do filme é um ocidental mexicano e os outros são não-ocidentais mexicanos. Mas assim é o México e eu nunca pretendi fazer uma tese antropológica."



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