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ANÁLISE
Diretor cria estranho mundo velho
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Quem viu "A Música Mais
Triste do Mundo" já deve ter
suspeitado, mas era mesmo preciso uma retrospectiva de Guy
Maddin para confirmar: seu estilo
retrô-vanguardista (só mesmo
um paradoxo para defini-lo), o
estranho mundo velho, é a novidade na cena contemporânea.
Novidade não é o termo: tudo se
passa como se o imaginário de
uma era (clássica) do cinema voltasse como pesadelo. Um pesadelo claustrofóbico e edipiano.
Seus primeiros filmes ("Contos
do Hospital Gimli", "Arcanjo"),
amadores só no sentido que Jean
Cocteau atribuía à palavra, como
sinônimo de liberdade de invenção, surgem povoados pelos fantasmas dessa era, espectros da infância do século 20.
Ninfas que se movimentam como em número musical de Busby
Berkeley, vultos saídos dos expressionismo alemão, Sissys e
menestréis (os estereótipos dos
homossexuais e dos negros, respectivamente, na velha Hollywood) tornados arquetípicos.
Para quem não conhece "A Música...", o melhor cartão de visitas
para o mundo de Maddin talvez
seja "Covardes se Ajoelham", história de tom confessional cheia de
dados autobiográficos (o salão de
beleza da tia, o time de hóquei do
pai de Maddin) encenada à maneira de um filme mudo.
No mundo silencioso do cinema, o canadense encontra, a
exemplo dos surrealistas, o próprio inconsciente. O filme, concebido para ser exposto em museus,
cada capítulo num compartimento, começa com o personagem do
papai Maddin observando por
um microscópio o próprio esperma e deriva aos poucos, como a
maioria de seus filmes, para uma
fantasia de perversão edipiana.
Na estilística do cinema mudo,
que manuseia sem afetação, Maddin não busca a inocência perdida
do cinema, como fazia a geração
da nouvelle vague nos anos 60,
antes o contrário. Se ele incursiona no imaginário do cinema dos
anos 20/30, é para explorar-lhe a
inconsciência, para dele retirar toda a (recalcada) perversão -o
imaginário dos filmes de montanha alemães dos anos 20 (gênero
que consagrou Leni Riefensthal)
resulta assim, em "Cuidadoso",
numa fantasia kitsch e edípica.
Maddin visita a era do cinema
do pré-Segunda Guerra tomado
pela obsessão freudiana do cinema do pós-guerra. Sabe que a inconsciência e o sonho do cinema
clássico culminaram, de certa forma, no pesadelo da guerra. Daí
sua obra ser povoada por autômatos espirituais, seres que tiveram o espírito roubado, sonâmbulos, espectros perdidos do cortejo fúnebre que fez a história
(psicológica) do cinema clássico
caminhar, segundo Siegfried Kracauer, de Caligari a Hitler.
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