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LITERATURA
Um milhão de exemplares de "Memoria de Mis Putas Tristes" chegam às livrarias da América Latina e Espanha
García Márquez retorna com uma história de amor
DO "PAÍS"
Gabriel García Márquez volta
ao romance, dez anos depois de
"Do Amor e Outros Demônios",
com "Memoria de Mis Putas Tristes" (Mondadori), uma história
de amor terna e íntima, mas repleta de ironia e humor: um homem de 90 anos se apaixona por
uma menina de 14 com tamanha
intensidade que retorna aos tormentos da adolescência.
Em 109 páginas, dispostas em
cinco capítulos, o escritor colombiano relata, em primeira pessoa,
essa paixão, a vida desse homem
sem nome que nada tem de avô;
fala de música, de livros; reflete
sobre a velhice e a fama. O livro
chegou ontem às livrarias da Espanha e da América Latina, com
tiragem inicial de 1 milhão de
exemplares, em espanhol.
"Quando completei 90 anos,
quis me presentear com uma noite de amor louco com uma adolescente virgem", assim começa o
romance que, assim como "Do
Amor e Outros Demônios"
(1994), também traz como protagonista uma menina quase adolescente que é tida como possuída
por um demônio.
Entre os dois romances, García
Márquez publicou "Notícia de
um Seqüestro" (1996), reportagem sobre os seqüestros organizados pelo Cartel de Medellín, e o
primeiro volume de suas memórias, "Viver para Contar" (2002).
"Memoria de Mis Putas Tristes"
presta homenagem ao escritor japonês Yasunari Kawabata e em
particular ao livro "A Casa das Belas Adormecidas". O ancião do
colombiano laureado com o Nobel, como os do escritor japonês
que recebeu igual honraria, se deixa submergir no prazer do olhar.
García Márquez começou a escrever o romance há muitos anos,
mas só o deu por concluído em
maio passado. Continua trabalhando em suas memórias e também no livro "Em Agosto nos Vemos", uma série de quatro contos.
O narrador de "Memoria de Mis
Putas Tristes" é feio, tímido e anacrônico, segundo o escritor o descreve. Trabalhou durante 40 anos
como "inflador de despachos" no
jornal "Diario de la Paz". Foi professor de gramática espanhola e
de latim, se bem que mau professor, como ele mesmo admite. Há
meio século publica um artigo dominical no mesmo jornal. Foi iniciado nas "artes do amor" pouco
antes dos 12 anos, quando ainda
usava calças curtas, por uma senhora chamada Castorina. Nunca
se deitou com uma mulher sem
pagar e, nas poucas ocasiões em
que dormiu com mulheres que
não eram do ofício, lhes dava algum dinheiro para se sentir tranqüilo. As putas não lhe deixaram
tempo para se casar.
Quando tinha 20 anos, começou "um registro" das mulheres
com que fazia amor. Anotava a
idade, o lugar e uma breve descrição das circunstâncias. Batizou a
compilação de "Memoria de Mis
Putas Tristes". Homem metódico
e ordeiro, vive em uma bela casa
herdada dos pais, mas tem poucos recursos porque suas duas
aposentadorias não dão para
muita coisa e o artigo dominical
paga ainda menos. Faz críticas de
música de graça.
Aposentado, mas não acabado e
sentindo-se às vezes condenado à
vida eterna, as coisas começam a
mudar certo dia, em 29 de agosto,
quando ele completa 90 anos. O
presente que quer dar a si mesmo
faz com que tudo mude. "Foi o
princípio de uma nova vida em
uma idade na qual a maioria dos
mortais está morta."
A epígrafe do livro, extraída de
"A Casa das Belas Adormecidas",
de Yasunari Kawabata, é reveladora: "A dona da pensão advertiu
ao velho Eguchi que não fizesse
nada de mau gosto. Nada de enfiar o dedo na boca da mulher
adormecida, ou algo parecido".
Uma velha cafetina que ele não
freqüentava já há 20 anos lhe proporciona uma adolescente virgem
de 14 anos para sua noite de glória. Quando ele chega, a menina,
que cuida de seus numerosos irmãos e trabalha em uma fábrica
pregando botões, está dormindo.
Contempla-a nua, mas não a
acorda. Vai embora ao amanhecer. E volta na outra noite, e na seguinte. Sussurra-lhe uma canção
ao ouvido: "A Cama de Delgadina
de Anjos Está Rodeada".
Uma história de amor sem palavras. Ele a prefere adormecida ou
desperta? É uma das partes mais
bonitas do romance. García Márquez mantém uma tensão que
aprisiona o leitor, até que oferece
um final inesperado. E antes disso
o ciúme, o desespero, o amor do
velho que "não se reconhecia em
sua dor adolescente". Ele, que
"sempre havia entendido que
morrer de amor não era mais que
licença poética".
Tradução de Paulo Migliacci
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