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ARTES CÊNICAS
Atriz é tema de livro e vê teatro que fundou completar 50 anos
Guerreira, Della Costa ressurge em festa e livro
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Na parede do apartamento, em
São Paulo, a silhueta de uma mulher baila entre o azul e o verde.
Borrados na tela, são tons que refletem os olhos da autora do quadro, Maria Della Costa.
Trata-se de uma obra de 1992,
sem nome, que a pintora bissexta
fez a pedido de uma campanha
para pessoas com Aids. "Quis
pintar a liberdade no espaço",
afirma a atriz. Auto-retrato? "Talvez." Aos 78 anos, ela admite ter
passado boa parte da vida "prisioneira do palco", puro orgulho.
Ausente da ribalta desde "Típico Romântico" (1992), peça de
Otavio Frias Filho, diretor de Redação da Folha, dirigida por
Maurício Paroni de Castro, Della
Costa volta aos refletores na próxima semana. Em São Paulo, o
teatro que leva seu nome, e do
qual foi uma das fundadoras,
completa 50 anos com festa no dia
25. Dois dias depois, autografa
"Maria Della Costa - Seu Teatro,
Sua Vida", de Warde Marx.
Dona de uma pousada em Paraty (RJ), onde mora, Della Costa
tem feito as vezes de empresária
do ramo de turismo depois da
morte do segundo marido, Sandro Polloni, em 1995, um relacionamento de 50 anos. "Não sou
dondoca, não nasci em berço esplêndido. Nasci na roça, nasci pobre, passei fome", diz a gaúcha de
Flores da Cunha. A seguir, trechos
de sua entrevista à Folha.
O OFÍCIO
Sempre fui uma mulher presa à
minha arte. Fui uma escrava maravilhosa do teatro, dia e noite estudando, representando. Na minha época, eu representava duas
sessões de terça-feira a domingo.
GIANNI RATTO
Fomos à Itália em 1953, com a cara e a coragem, eu e Sandro. Dois
jovens que não tinham um tostão,
praticamente. Chegamos a Milão
e nos disseram que o Ratto [hoje
com 81 anos] era um dos sete melhores cenógrafos do mundo.
Conversamos com ele, explicamos que estávamos terminando
de construir o teatro. Ele aceitou.
Chegando aqui, começamos os
ensaios da única peça que ele
trouxe debaixo dos braços: "O
Canto da Cotovia" [de Jean
Anouilh]. Calhou comigo no papel de Joana d'Arc, desbravando
um teatro ali numa travessa da av.
9 de Julho, onde era tudo mato.
FLERTE COM O COMUNISMO
Essa coisa social vem desde mocinha. Começou com o Jorge Amado [1912-2001]. Ele escreveu muito tempo em nosso apartamento,
quando eu era casada com o Fernando de Barros. O Jorge escreveu "O Cavaleiro da Esperança"
[1942] dentro do nosso apartamento. Nos levou para conhecer o
Luis Carlos Prestes [1898-1990].
Nos levou para a antiga União Soviética, para a China. O Jorge era
militante comunista. A mulher
dele, a Zélia, tem um livro de memórias que chama "Um Chapéu
para Viagem" [1982], inspirado
num chapéu que lhe emprestei
quando da viagem a Moscou.
POLÍTICOS
Eu conheci praticamente todos os
políticos. Mendiguei na porta de
cada um para a construção do
teatro. Alguns me atenderam respeitosamente, outros não. Eu fiquei tão furiosa com o Adhemar
de Barros [1901-69], tão nervosa,
que tive que citá-lo no livro [o ex-governador de SP teria dado a seguinte ordem a um secretário
quando em reunião com a atriz:
"Pergunta quanto esse cavalo de
raça quer pra eu dormir com
ela"]. Ele me perseguiu, tive até
que sair de São Paulo.
Com Getúlio Vargas foi o contrário. Quando terminamos o teatro, faltavam as poltronas. Fomos
ao presidente, marcamos hora.
Ele impôs uma condição: "Damos
as poltronas, mas vocês têm que
dar o teatro para os estudantes e
levar espetáculos aos bairros a
preços populares". Concordamos. Naquele dia o Vargas estava
com um ar muito cansado. Ele
disse: "Olha, gaúcha, sinto que alguma coisa vai me acontecer". Oito dias depois ele estava morto.
DOIS MARIDOS
Eu tinha 15 anos quando casei
com o jornalista Fernando de
Barros [1915-2002]. Ele tinha
muito ciúmes do Sandro, que renunciou aos palcos para me dar
lugar. Esse respeito vou carregar
comigo até morrer. Um dia, o
Sandro disse: "Maria, assim não
dá. Ou sou ator ou sou empresário. Não quero te prejudicar. Vou
dar lugar a você porque você é
melhor do que eu. Vou cuidar de
você, ser o seu empresário".
Quando ele morreu, eu me senti
órfã. O Fernando de Barros me
disse: "Olha, Maria, você teve um
grande homem ao seu lado, sempre respeitei muito o Sandro, mas
a partir de hoje vou ser o seu marido de novo". Mas "seu marido"
por telefone. Ele ligava toda noite,
eu em Paraty e ele em São Paulo.
Perguntava como foi o dia, sempre dizia que eu era a mulher que
amou a vida inteira, ele que foi
muito mulherengo. Guardo o carinho dos dois homens que eu tive, duas perdas recentes. Vou te
contar: eu sou uma guerreira para
agüentar o que agüentei.
A BELEZA
Nasci uma mulher bonita, mas, se
você olhar o meu repertório, vai
ver que fiz muitas mulheres gordas e feias. Fiz duas pequenas cirurgias plásticas, mas nunca mexi
muito no corpo. Dizem que tenho
corpo de garota. Vou ao espelho,
olho e agradeço a Deus.
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