São Paulo, domingo, 21 de novembro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TV

Com conflito iraquiano e a morte de Arafat, canal do Qatar toma lugar de redes brasileiras na preferência da colônia

Árabe Al Jazeera dobra o número de assinantes no Brasil

LAURA MATTOS
ISABELLE MOREIRA LIMA
DA REPORTAGEM LOCAL

Rua Barão de Duprat, centro de São Paulo, meio-dia. Em um dos vários restaurantes árabes da região da rua 25 de Março, o televisor sintoniza a Al Jazeera, e a clientela vê a imagem de um soldado norte-americano no Iraque.
Chamado de "CNN árabe", o canal do Qatar praticamente dobrou o número de telespectadores no Brasil e na América Latina desde o início do conflito iraquiano.
Em março de 2003, a Multipole, distribuidora da emissora no Brasil e em parte da América Latina, contava com cerca de 1.600 assinantes. Hoje, diz ter ultrapassado os 3.000, sendo que mais de 60% deles são residentes no país.
Para grande parte da colônia, a Al Jazeera e TVs de países como Líbano e Arábia Saudita tomaram o lugar da Globo, SBT etc. São suas principais fontes de informação para os conflitos internacionais e notícias como a morte do líder palestino Iasser Arafat. Ver o "Jornal Nacional" e novelas não é nem de longe a primeira opção para quem tem em casa, na língua materna, telejornais e programas à la Silvio Santos das arábias.
O comerciante libanês Wissam Tahini, 32, que chegou a São Paulo há quatro anos, assiste aos noticiários da Al Jazeera todos os dias. Para ele, a vantagem em relação à TV brasileira é que a emissora qatariana "mostra a verdade" sobre os conflitos do Oriente Médio.
"A rede exibe imagens de soldados norte-americanos matando civis iraquianos, o que nunca aparece na televisão daqui. Muitas vezes, emissoras brasileiras chamam libaneses de terroristas, quando, no Líbano, são heróis."
O jornalista sírio Munir Awad, 28, diz que, além dos telejornais, gosta da programação cultural do canal. Conta que instruiu a babá de sua filha de dois anos a deixar a televisão ligada durante todo o dia para que ela aprenda a língua.
"A Al Jazeera também é interessante pelo lado educativo. Minha filha entende quase tudo em árabe e já fala também", afirma.

Estereótipo
Na semana passada, em SP, foi lançado o Instituto da Cultura Árabe (www.icarabe.org), em debate com críticas à mídia norte-americana e à brasileira e elogios à Al Jazeera, citada como alternativa para fugir dos estereótipos e se aproximar mais "dos fatos".
De origem libanesa, o médico Murched Taha, 54, membro do instituto, assiste aos noticiários árabes todos os dias "em razão de sua independência" e por ser "mais próxima da realidade". "Além disso, muitas vezes ela consegue trazer a notícia do Oriente Médio antes de outras, como a CNN em espanhol", diz.
Os libaneses Fadel Dirani, 39, e Hassan Tirad, 36, ambos comerciantes, têm o costume de assistir à Al Jazeera na casa de amigos. Para Tirad, as redes brasileiras "não mostram a verdade". Dirani concorda. Diz que o canal do Qatar tem "informação mais livre".
"Além de mostrar a verdade, ainda incentiva valores culturais e a família. A TV brasileira, principalmente no caso das novelas, tira a base da família", diz Tirad.

Distribuição exclusiva
A distribuição dessa e de outras TVs árabes começou no Brasil há cerca de três anos e aproximou a colônia de seus países de origem. Antes disso, o comerciante libanês aposentado Fause Mustafá, 74, "caçava" notícias em sua língua por meio de rádios de ondas curtas (capazes de sintonizar freqüências de longas distâncias).
Agora, passa o dia zapeando entre as opções do pacote árabe. "Vejo muito pouco a TV brasileira", conta ele, que está no Brasil há 50 anos e diz agora se sentir mais próximo de suas origens.
Quando chegaram ao Brasil, a rede do Qatar e outras eram recebidas gratuitamente. Bastava possuir uma antena parabólica e direcioná-la aos satélites de retransmissão. Segundo a Multipole, foi uma estratégia de mercado para atrair telespectadores e passar a cobrar, o que ocorreu há cerca de dois anos. Atualmente, para ter acesso a um pacote com dez canais é preciso, além da parabólica e de um decodificador digital (total em torno de R$ 1.500), pagar uma assinatura anual de R$ 600.
A empresa atende seus clientes em árabe. "A Guerra do Iraque certamente ampliou o interesse da colônia árabe por esses canais. O mercado é crescente, apesar de ainda distante dos 130 mil assinantes dos EUA", diz Maurício Goldberg, presidente da Multipole. Único representante da Al Jazeera no Brasil, ele é judeu e ri desse paradoxo. "Esse é um modelo de convívio pacífico que deveria ser seguido em todo o mundo."


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Rede prepara estréia em inglês
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.