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Murilo Salles investiga
o "jeitinho" brasileiro
Divulgação
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Imagem realizada para o projeto "És Tu Brasil", série de cinco episódios a ser produzida pela TV Cultura |
"És Tu, Brasil", que o diretor de "Como Nascem os Anjos" prepara para a TV Cultura, tentará reconstituir a formação do homem brasileiro
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JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas
O cineasta Murilo Salles, diretor
dos premiados "Nunca Fomos
Tão Felizes" e "Como Nascem os
Anjos", está preparando uma minissérie de TV sobre a "formação
do brasileiro".
"És Tu, Brasil" será uma série de
cinco episódios, a ser produzida
pela TV Cultura, em parceria com
as produtoras Empório de Cinema e TV Zero.
Murilo Salles pretende completar os recursos necessários para a
série no primeiro trimestre do
ano que vem. "A intenção da TV
Cultura é a de que "És Tu, Brasil"
seja o carro-chefe da programação de dezembro do ano 2000",
diz o cineasta.
Na minissérie, a cujo roteiro a
Folha teve acesso (leia trecho
abaixo), haverá uma mistura de
cenas ficcionais com imagens de
arquivo e locução de textos ensaísticos.
Na entrevista abaixo, Salles explica suas intenções e antecipa como será a minissérie.
Folha - Por que você resolveu
falar sobre a formação do brasileiro?
Murilo Salles - As manifestações comemorativas do Descobrimento estão abordando a "invenção" do país sob uma ótica
muito historicista e, a meu ver,
simplificadora.
Creio que a invenção do país
passa primeiro pela invenção do
brasileiro. O país é uma conformação geopolítica. O que nos torna únicos e próprios são nossos
traços constitutivos. "És Tu, Brasil" vai se interessar pela formatação dos principais traços de nossa
singularidade.
Folha - Por que resolveu misturar ficção e documentário?
Salles - Acho que o tema, tal como o vejo, só pode ser abordado
misturando-se a ficção ensaística
com o material documental e ainda o documentário "ficcional",
porque estamos filmando idéias,
conceitos que se misturam com a
história e com a realidade.
Folha - No roteiro, você comenta vários "explicadores" da
cultura e da sociedade brasileira: Euclides da Cunha, Gilberto
Freyre, Paulo Prado etc. Há algum pensador mais recente que
tenha lhe servido de diretriz ou
inspiração?
Salles - "És Tu, Brasil" (atenção
para o pronome pessoal, íntimo,
singular) é uma minissérie escrita
a partir de pesquisas e discussões
que levaram mais de sete meses,
feitas por Beatriz Jaguaribe, Maurício Lissowsky e eu.
É uma revisitação ensaística e
autoral do trabalho de vários pensadores fundamentais, como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de
Holanda, Antonio Candido, Pierre Clastres, Roberto Schwarz, Roberto da Matta e outros.
Seguimos basicamente a idéia
de Antonio Candido de que o
Brasil, o brasileiro foi sendo forjado mais por seus artistas, poetas e
escritores. Estes, enquanto produziam suas obras, criaram esse
rico imaginário que foi nos constituindo. Esse é o principal traço
desse projeto: uma revisitação de
nossas produções mais ricas e
sensíveis, de Gregório de Mattos a
Villa-Lobos, de José de Alencar a
Humberto Mauro, de Aleijadinho
a Caetano Veloso, de Anchieta a
Guimarães Rosa.
Folha - Existe no roteiro um
tom jocoso que em alguns momentos lembra o escracho de
um "Carlota Joaquina". Você
não teme que o tom do filme fique demasiado chanchadesco
ou caricatural?
Salles - Foi exatamente para
responder essa questão que criamos o projeto. Temos que deixar
de ter vergonha de nossa própria
cara. Sem um reconhecimento
profundo de nossas singularidades, não conseguiremos nenhuma superação.
Para o grande embate da "era da
informação", temos que estar
plugados organicamente em nossas identificações. Seremos globais quanto mais singulares formos. Esse projeto surge da minha
intenção de refilmar "Macunaíma". A sátira talvez seja nosso primeiro "estilo", praticado pelo
"Boca do Inferno" (Gregório de
Mattos). Ela vem sendo exercida
desde então, chegando numa culminância crítica com Oswald de
Andrade, José Celso Martinez
Corrêa e "Casseta & Planeta". Na
nossa minissérie ela será exercida
em sua plenitude humorística.
Folha - Por que escolheu frases do Hino Nacional para dar
nome aos episódios e à própria
minissérie?
Salles - Nosso imaginário é fortemente delineado na letra do Hino Nacional. Usamos essa simbologia para nomear e identificar
nossos programas.
"Impávido Colosso" trata das
implicações de sermos uma nação mais geográfica que histórica.
"Berço Esplêndido" trata das relações criadas pelo nosso corpo social para funcionar, promulgadas
na Constituição Íntima da República Ambígua do Brasil.
Em "Vívido de Amor", como o
nome sugere, tratamos de nossas
grandes paixões. "O Viro do Ipiranga" tenta olhar com atenção
para, talvez, nossa principal característica, o "jeitinho". Finalmente, "Pátria neste Instante"
trata dessa "urgência do moderno" que nos é premente.
Folha - No roteiro, vemos que
cada episódio conta com "cenas" e textos ensaísticos ou interpretativos. Como esses textos serão tratados? Serão ditos
em "off"? Sobre que imagens?
Salles - "És Tu, Brasil" é uma
minissérie ficcional ensaística.
Como resolver isso? Primeiro,
criando a figura de um narrador,
que bem pode ser Deus, que, como sabemos, é brasileiro, portanto muito apropriado para tecer
comentários sobre sua "obra-prima".
Em outros momentos, quando
estamos "dentro" de uma situação ficcionalizada, um dos personagens, ao final da cena, prossegue como narrador até a próxima
cena. Vamos misturar as linguagens, mas tendo um preciso fio
condutor que é a narração ensaística.
O texto do roteiro é a narração.
Utilizaremos vários materiais iconográficos para complementar
nosso relato, usando o material de
arquivo disponível. Quando não
existir material, poderemos criá-lo. A ficção é nossa principal aliada nesse projeto, por isso o chamamos de minissérie.
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