São Paulo, Terça-feira, 21 de Dezembro de 1999


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Murilo Salles investiga o "jeitinho" brasileiro

Divulgação
Imagem realizada para o projeto "És Tu Brasil", série de cinco episódios a ser produzida pela TV Cultura



"És Tu, Brasil", que o diretor de "Como Nascem os Anjos" prepara para a TV Cultura, tentará reconstituir a formação do homem brasileiro


JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

O cineasta Murilo Salles, diretor dos premiados "Nunca Fomos Tão Felizes" e "Como Nascem os Anjos", está preparando uma minissérie de TV sobre a "formação do brasileiro".
"És Tu, Brasil" será uma série de cinco episódios, a ser produzida pela TV Cultura, em parceria com as produtoras Empório de Cinema e TV Zero.
Murilo Salles pretende completar os recursos necessários para a série no primeiro trimestre do ano que vem. "A intenção da TV Cultura é a de que "És Tu, Brasil" seja o carro-chefe da programação de dezembro do ano 2000", diz o cineasta.
Na minissérie, a cujo roteiro a Folha teve acesso (leia trecho abaixo), haverá uma mistura de cenas ficcionais com imagens de arquivo e locução de textos ensaísticos.
Na entrevista abaixo, Salles explica suas intenções e antecipa como será a minissérie.

Folha - Por que você resolveu falar sobre a formação do brasileiro?
Murilo Salles -
As manifestações comemorativas do Descobrimento estão abordando a "invenção" do país sob uma ótica muito historicista e, a meu ver, simplificadora.
Creio que a invenção do país passa primeiro pela invenção do brasileiro. O país é uma conformação geopolítica. O que nos torna únicos e próprios são nossos traços constitutivos. "És Tu, Brasil" vai se interessar pela formatação dos principais traços de nossa singularidade.

Folha - Por que resolveu misturar ficção e documentário?
Salles -
Acho que o tema, tal como o vejo, só pode ser abordado misturando-se a ficção ensaística com o material documental e ainda o documentário "ficcional", porque estamos filmando idéias, conceitos que se misturam com a história e com a realidade.

Folha - No roteiro, você comenta vários "explicadores" da cultura e da sociedade brasileira: Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Paulo Prado etc. Há algum pensador mais recente que tenha lhe servido de diretriz ou inspiração?
Salles -
"És Tu, Brasil" (atenção para o pronome pessoal, íntimo, singular) é uma minissérie escrita a partir de pesquisas e discussões que levaram mais de sete meses, feitas por Beatriz Jaguaribe, Maurício Lissowsky e eu.
É uma revisitação ensaística e autoral do trabalho de vários pensadores fundamentais, como Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Antonio Candido, Pierre Clastres, Roberto Schwarz, Roberto da Matta e outros.
Seguimos basicamente a idéia de Antonio Candido de que o Brasil, o brasileiro foi sendo forjado mais por seus artistas, poetas e escritores. Estes, enquanto produziam suas obras, criaram esse rico imaginário que foi nos constituindo. Esse é o principal traço desse projeto: uma revisitação de nossas produções mais ricas e sensíveis, de Gregório de Mattos a Villa-Lobos, de José de Alencar a Humberto Mauro, de Aleijadinho a Caetano Veloso, de Anchieta a Guimarães Rosa.

Folha - Existe no roteiro um tom jocoso que em alguns momentos lembra o escracho de um "Carlota Joaquina". Você não teme que o tom do filme fique demasiado chanchadesco ou caricatural?
Salles -
Foi exatamente para responder essa questão que criamos o projeto. Temos que deixar de ter vergonha de nossa própria cara. Sem um reconhecimento profundo de nossas singularidades, não conseguiremos nenhuma superação.
Para o grande embate da "era da informação", temos que estar plugados organicamente em nossas identificações. Seremos globais quanto mais singulares formos. Esse projeto surge da minha intenção de refilmar "Macunaíma". A sátira talvez seja nosso primeiro "estilo", praticado pelo "Boca do Inferno" (Gregório de Mattos). Ela vem sendo exercida desde então, chegando numa culminância crítica com Oswald de Andrade, José Celso Martinez Corrêa e "Casseta & Planeta". Na nossa minissérie ela será exercida em sua plenitude humorística.

Folha - Por que escolheu frases do Hino Nacional para dar nome aos episódios e à própria minissérie?
Salles -
Nosso imaginário é fortemente delineado na letra do Hino Nacional. Usamos essa simbologia para nomear e identificar nossos programas.
"Impávido Colosso" trata das implicações de sermos uma nação mais geográfica que histórica. "Berço Esplêndido" trata das relações criadas pelo nosso corpo social para funcionar, promulgadas na Constituição Íntima da República Ambígua do Brasil.
Em "Vívido de Amor", como o nome sugere, tratamos de nossas grandes paixões. "O Viro do Ipiranga" tenta olhar com atenção para, talvez, nossa principal característica, o "jeitinho". Finalmente, "Pátria neste Instante" trata dessa "urgência do moderno" que nos é premente.

Folha - No roteiro, vemos que cada episódio conta com "cenas" e textos ensaísticos ou interpretativos. Como esses textos serão tratados? Serão ditos em "off"? Sobre que imagens?
Salles -
"És Tu, Brasil" é uma minissérie ficcional ensaística. Como resolver isso? Primeiro, criando a figura de um narrador, que bem pode ser Deus, que, como sabemos, é brasileiro, portanto muito apropriado para tecer comentários sobre sua "obra-prima".
Em outros momentos, quando estamos "dentro" de uma situação ficcionalizada, um dos personagens, ao final da cena, prossegue como narrador até a próxima cena. Vamos misturar as linguagens, mas tendo um preciso fio condutor que é a narração ensaística.
O texto do roteiro é a narração. Utilizaremos vários materiais iconográficos para complementar nosso relato, usando o material de arquivo disponível. Quando não existir material, poderemos criá-lo. A ficção é nossa principal aliada nesse projeto, por isso o chamamos de minissérie.


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