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Universal volta a olhar para o próprio acervo
Queda da axé music e da canção sertaneja, apagão, crise e pirataria levam executivos a políticas alternativas; parte do arquivo histórico será relançada em CD no ano que vem
DO ENVIADO AO RIO
Na entrevista a seguir, a dupla
que chefia a atual Universal -o
presidente Marcelo Castello
Branco, 41, e o diretor artístico
Max Pierre, 51- e o diretor de
marketing estratégico José Celso
Guida, 40, expõem e tentam justificar o conjunto de situações que
culminou, na última década, com
a hipertrofia do mercado popularesco e o abandono do acervo histórico da gravadora. Na página ao
lado, siga mapa completo das
promessas de restauração de
acervo da Universal para 2002.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Folha - Quais são as dificuldades
de uma gravadora ao reeditar títulos importantes em CD?
José Celso Guida - Há várias etapas a serem queimadas. A primeira delas é localizar tapes e ver se
estão em bom estado para serem
trabalhados, recuperá-los com a
tecnologia disponível. Aí há a ficha técnica. É preciso buscar informações com a família do artista, editoras, colecionadores que
tenham os discos originais. A terceira parte é das autorizações. É
lógico que todo mundo conhece
um Aloysio de Oliveira ou os
grandes compositores daquela
época, mas conseguir o contato
para obter as autorizações é difícil. Muitas vezes o autor morreu,
não se consegue localizar nem a
família. E há a parte gráfica, de capa. É preciso ter a autorização do
fotógrafo e, às vezes, não se acha.
Folha - Devido às dificuldades e
às vendagens pequenas, relançar é
uma atividade pouco lucrativa?
Marcelo Castello Branco - Não é
uma atividade imediatamente lucrativa. Mas, uma vez que passamos por essa etapa, estamos, aí
sim, preparando definitivamente
aquele produto para outros possíveis formatos que virão. Objetivamente, não é lucrativo para o momento, mas é uma responsabilidade que a empresa tem, de não
pensar só a curto prazo.
Folha - A indústria não andou
muito imediatista, deixando isso
tudo de lado?
Castello Branco - Acho que a indústria já foi mais imediatista do
que é hoje. Era dirigida por pessoas que vinham do exterior por
um período e, pela própria natureza disso, visavam lucro mais
imediato. Hoje praticamente toda
a indústria é feita por executivos
brasileiros. Nos 70, quando foi
constituído esse acervo impressionante que temos, eram executivos internacionais. O maior e
mais visionário deles ficou no
Brasil, se chama André Midani. A
ele eu agradeço todo dia por ter
esse maravilhoso catálogo.
Nos 70 a indústria era idealista,
era mais apaixonadamente amadora. Os discos saíam, saíam,
saíam, não se faziam contas. É claro que talvez graças a esse relativo
amadorismo hoje se têm obras e
catálogos maravilhosos, que talvez não sejam viáveis quando se
vive dentro de outra realidade. Vivemos hoje a realidade da necessidade de lucro, as companhias são
controladas por investidores internacionais. Se você for se preocupar em como vai comer amanhã, lança o produto imediato.
Do que lançamos de nacional,
70% são novidades. Volume só se
vende com novidade.
Folha - Mas vocês é que acostumaram o público assim, não?
Castello Branco - O público se renovou. O que interessa para meu
filho de 15 anos Gal Costa, Rita
Lee, o acervo da companhia? Nada. Ele está mais preocupado com
o que eu lancei ontem.
Folha - Foi como você o educou...
Castello Branco - Não. Ele não
pode se corresponder com um artista de 60 anos, é antinatural. O
mercado sempre foi da novidade.
Folha - Então projetos de reedição são um paliativo num momento de crise de novidades e dos gêneros popularescos?
Castello Branco - Não, são coisas
paralelas. A produção de música
no Brasil é frenética. Muita coisa
nova tem acontecido, e há os selos
independentes, muito bem-vindos porque podem fazer projetos
que eventualmente a gente não faria. Mas não é certo dizer que a
Universal é o templo do padre
Marcelo. Não, somos o templo da
bossa nova, da tropicália. O axé
foi um fenômeno legítimo.
Max Pierre - E o axé só foi fenômeno de venda numa segunda fase, com a febre dos discos ao vivo.
Folha - Que o público quis ou foi
criada por vocês?
Pierre - Foi criada por nós. Quer
dizer, não foi. A gente sabe que
existe o consumidor que adora o
ao vivo, que é uma compilação e
dá uma sensação de festa. Então é
lógico que apostamos nisso. Acabou o axé? Não. Continuam vendendo o que vendiam antes da febre. A distorção foi o ao vivo.
Folha - A impressão é que vocês
encontram uma galinha dos ovos
de ouro, seja o axé ou o disco ao vivo, e a exploram até matarem.
Pierre - Não, a gente continua fazendo os ao vivo, mas caiu tudo
para um patamar de vendas mais
normal, digamos. Sempre há as
explosões. Está aí Cássia Eller,
uma grande explosão ao vivo.
Folha - No caso dela, por exemplo, vocês não estão incentivando
uma artista jovem a se acomodar
muito cedo à repetição?
Castello Branco - Fala-se que a
indústria é imediatista, mas nós
estamos há dez anos investindo
em Cássia Eller. Grande parte do
público que não a conhecia ou tinha rejeição por ela está voltando
para trás, para seu catálogo, por
causa do "Acústico MTV".
Folha - A Trama e a Abril, que são
nacionais, estão adotando políticas de redução de preço. As multinacionais não podem fazer isso?
Castello Branco - Não é por sermos uma multinacional, nossa
política de preços é absolutamente local. Nossos preços basicamente não sofrem aumento, apesar da inflação anual, há quase
dois anos, porque sentimos que
existe uma pressão legítima no
Brasil pela questão de preço.
Folha - 2001 foi um ano difícil?
Castello Branco - Foi um ano de
extrema dificuldade por uma simultaneidade de problemas: recessão, apagão, o 11 de setembro,
o câmbio, a Argentina... As expectativas, para mim, são de uma recuperação leve em 2002, de 5% a
10%, não mais que isso.
Folha - Vocês estão à procura da
galinha dos ovos de ouro de 2002?
Castello Branco - Sempre, sempre, sempre. Estamos sempre à
procura disso. Talvez não exista
mais uma galinha, mas várias pequenas galinhas. É lógico que essa
perspectiva apavora, mas a gente
não busca só o disco de 1 milhão
de cópias. Dos cinco mais vendidos da história do mercado brasileiro, quatro são da Universal:
dois do É o Tchan, um do Terra
Samba e um do padre. Posso garantir que nenhum foi produzido
pensando em vender 1 milhão.
Folha - Vocês se sentem felizes
com a cultura brasileira quando
CDs recordistas são de padres e
mulheres bonitas que não cantam?
Castello Branco - Se é legítimo,
não cabe à gente exercer um critério pessoal. É reflexo de alguém
que está lá no outro lado da ponta
querendo aquilo. Então não me
dá a menor insônia, muito pelo
contrário. Tenho orgulho de participar disso. Não fazemos só isso,
nesse mesmo período fizemos CD
de Ney Matogrosso cantando
aquele do "Trenzinho"...
Pierre - O Villa-Lobos.
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