São Paulo, sexta-feira, 21 de dezembro de 2001

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Universal volta a olhar para o próprio acervo

Queda da axé music e da canção sertaneja, apagão, crise e pirataria levam executivos a políticas alternativas; parte do arquivo histórico será relançada em CD no ano que vem

DO ENVIADO AO RIO

Na entrevista a seguir, a dupla que chefia a atual Universal -o presidente Marcelo Castello Branco, 41, e o diretor artístico Max Pierre, 51- e o diretor de marketing estratégico José Celso Guida, 40, expõem e tentam justificar o conjunto de situações que culminou, na última década, com a hipertrofia do mercado popularesco e o abandono do acervo histórico da gravadora. Na página ao lado, siga mapa completo das promessas de restauração de acervo da Universal para 2002.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)

Folha - Quais são as dificuldades de uma gravadora ao reeditar títulos importantes em CD?
José Celso Guida -
Há várias etapas a serem queimadas. A primeira delas é localizar tapes e ver se estão em bom estado para serem trabalhados, recuperá-los com a tecnologia disponível. Aí há a ficha técnica. É preciso buscar informações com a família do artista, editoras, colecionadores que tenham os discos originais. A terceira parte é das autorizações. É lógico que todo mundo conhece um Aloysio de Oliveira ou os grandes compositores daquela época, mas conseguir o contato para obter as autorizações é difícil. Muitas vezes o autor morreu, não se consegue localizar nem a família. E há a parte gráfica, de capa. É preciso ter a autorização do fotógrafo e, às vezes, não se acha.

Folha - Devido às dificuldades e às vendagens pequenas, relançar é uma atividade pouco lucrativa?
Marcelo Castello Branco -
Não é uma atividade imediatamente lucrativa. Mas, uma vez que passamos por essa etapa, estamos, aí sim, preparando definitivamente aquele produto para outros possíveis formatos que virão. Objetivamente, não é lucrativo para o momento, mas é uma responsabilidade que a empresa tem, de não pensar só a curto prazo.

Folha - A indústria não andou muito imediatista, deixando isso tudo de lado?
Castello Branco -
Acho que a indústria já foi mais imediatista do que é hoje. Era dirigida por pessoas que vinham do exterior por um período e, pela própria natureza disso, visavam lucro mais imediato. Hoje praticamente toda a indústria é feita por executivos brasileiros. Nos 70, quando foi constituído esse acervo impressionante que temos, eram executivos internacionais. O maior e mais visionário deles ficou no Brasil, se chama André Midani. A ele eu agradeço todo dia por ter esse maravilhoso catálogo.
Nos 70 a indústria era idealista, era mais apaixonadamente amadora. Os discos saíam, saíam, saíam, não se faziam contas. É claro que talvez graças a esse relativo amadorismo hoje se têm obras e catálogos maravilhosos, que talvez não sejam viáveis quando se vive dentro de outra realidade. Vivemos hoje a realidade da necessidade de lucro, as companhias são controladas por investidores internacionais. Se você for se preocupar em como vai comer amanhã, lança o produto imediato. Do que lançamos de nacional, 70% são novidades. Volume só se vende com novidade.

Folha - Mas vocês é que acostumaram o público assim, não?
Castello Branco -
O público se renovou. O que interessa para meu filho de 15 anos Gal Costa, Rita Lee, o acervo da companhia? Nada. Ele está mais preocupado com o que eu lancei ontem.

Folha - Foi como você o educou...
Castello Branco -
Não. Ele não pode se corresponder com um artista de 60 anos, é antinatural. O mercado sempre foi da novidade.

Folha - Então projetos de reedição são um paliativo num momento de crise de novidades e dos gêneros popularescos?
Castello Branco -
Não, são coisas paralelas. A produção de música no Brasil é frenética. Muita coisa nova tem acontecido, e há os selos independentes, muito bem-vindos porque podem fazer projetos que eventualmente a gente não faria. Mas não é certo dizer que a Universal é o templo do padre Marcelo. Não, somos o templo da bossa nova, da tropicália. O axé foi um fenômeno legítimo.

Max Pierre - E o axé só foi fenômeno de venda numa segunda fase, com a febre dos discos ao vivo.

Folha - Que o público quis ou foi criada por vocês?
Pierre -
Foi criada por nós. Quer dizer, não foi. A gente sabe que existe o consumidor que adora o ao vivo, que é uma compilação e dá uma sensação de festa. Então é lógico que apostamos nisso. Acabou o axé? Não. Continuam vendendo o que vendiam antes da febre. A distorção foi o ao vivo.

Folha - A impressão é que vocês encontram uma galinha dos ovos de ouro, seja o axé ou o disco ao vivo, e a exploram até matarem.
Pierre -
Não, a gente continua fazendo os ao vivo, mas caiu tudo para um patamar de vendas mais normal, digamos. Sempre há as explosões. Está aí Cássia Eller, uma grande explosão ao vivo.

Folha - No caso dela, por exemplo, vocês não estão incentivando uma artista jovem a se acomodar muito cedo à repetição?
Castello Branco -
Fala-se que a indústria é imediatista, mas nós estamos há dez anos investindo em Cássia Eller. Grande parte do público que não a conhecia ou tinha rejeição por ela está voltando para trás, para seu catálogo, por causa do "Acústico MTV".

Folha - A Trama e a Abril, que são nacionais, estão adotando políticas de redução de preço. As multinacionais não podem fazer isso?
Castello Branco -
Não é por sermos uma multinacional, nossa política de preços é absolutamente local. Nossos preços basicamente não sofrem aumento, apesar da inflação anual, há quase dois anos, porque sentimos que existe uma pressão legítima no Brasil pela questão de preço.

Folha - 2001 foi um ano difícil?
Castello Branco -
Foi um ano de extrema dificuldade por uma simultaneidade de problemas: recessão, apagão, o 11 de setembro, o câmbio, a Argentina... As expectativas, para mim, são de uma recuperação leve em 2002, de 5% a 10%, não mais que isso.

Folha - Vocês estão à procura da galinha dos ovos de ouro de 2002?
Castello Branco -
Sempre, sempre, sempre. Estamos sempre à procura disso. Talvez não exista mais uma galinha, mas várias pequenas galinhas. É lógico que essa perspectiva apavora, mas a gente não busca só o disco de 1 milhão de cópias. Dos cinco mais vendidos da história do mercado brasileiro, quatro são da Universal: dois do É o Tchan, um do Terra Samba e um do padre. Posso garantir que nenhum foi produzido pensando em vender 1 milhão.

Folha - Vocês se sentem felizes com a cultura brasileira quando CDs recordistas são de padres e mulheres bonitas que não cantam?

Castello Branco - Se é legítimo, não cabe à gente exercer um critério pessoal. É reflexo de alguém que está lá no outro lado da ponta querendo aquilo. Então não me dá a menor insônia, muito pelo contrário. Tenho orgulho de participar disso. Não fazemos só isso, nesse mesmo período fizemos CD de Ney Matogrosso cantando aquele do "Trenzinho"...

Pierre - O Villa-Lobos.


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