São Paulo, sexta-feira, 21 de dezembro de 2001

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ANÁLISE

Mercado pode chegar a fase intermediária de recomposição

DO ENVIADO AO RIO

Além da funda crise econômica e de credibilidade, a indústria brasileira do disco vive também um nítido período de transição. Fora raras exceções, ninguém mais vende as cifras espantosas que caracterizaram a bolha de consumo dos anos 90, primeiro por causa da popularização dos aparelhos de CD, no governo Collor, depois pela relativa estabilidade adquirida com o Plano Real, de FHC.
Pelo lado perverso, esses acontecimentos atiçaram as gravadoras a se tornarem vorazes -perdidas na névoa do lucro fácil, transformaram axé music, pagode e música sertaneja em hegemonia, sucateando cruelmente seus catálogos e acervos.
Como "gravadora número 1", a Universal se tornou também a primeira colocada na barbárie. Teve pouco pagode, mas amplificou o sertanejo e o axé ao limite da náusea e da repetição absoluta. Ao primeiro sinal de desgaste, deslanchou uma calamitosa avalanche de discos ao vivo.
Esses se tornaram coletâneas disfarçadas (e muitas vezes pessimamente gravadas), que se juntaram às pavorosas séries de compilações que foram desmontando e retalhando, uma a uma, as obras dos grandes, médios e pequenos valores históricos da MPB.
O que não perceberam é que, na soma dessas práticas todas, estavam as próprias gravadoras oficiais criando o sistema de corrosão que depois seria maximizado e conhecido como pirataria.
A explosão dessa, principalmente a partir de 2001, foi em grande medida antecipada pelas próprias gravadoras, que habituaram o consumidor à compilação barata, à falta de informação, à padronização sonora, à regravação sem rigor de músicas sempre repetidas. Era, explicitamente ou não, um projeto de deseducação e de sucateamento cultural.
É por isso que hoje, quando a crise empurra a Universal a anunciar um ambiciosíssimo projeto de recomposição, se chega finalmente a um tão necessário momento de transição para a reelaboração de identidade cultural.
Mesmo que toda a bela e descomunal promessa da Universal seja cumprida, muita coisa ficará faltando. Mas ao menos estará em curso um projeto de reeducação, de devolução ao país de sua própria memória musical. EMI, Sony e Som Livre (BMG e Warner já vêm sendo ativas nesse cenário) precisam seguir o exemplo, urgentemente. Cumprida essa etapa intermediária, quem sabe então o caminho esteja novamente aberto ao que interessa: a boa formação dos artistas jovens, a busca pela nova música popular brasileira, seu reencontro com a própria identidade por enquanto perdida e desorientada.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)



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