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LIVROS/LANÇAMENTO
"DOUTOR JIVAGO"
Livro supera cinema em força poética
IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
O mais célebre romance russo do século 20 está voltando
às prateleiras das livrarias brasileiras. "Doutor Jivago", de Boris
Pasternak, aparece em nova tradução, feita diretamente do russo
por Zoia Prestes.
A menção do nome Jivago imediatamente evoca imagens de
Omar Shariff fugindo dos comunistas e traindo Geraldine Chaplin com Julie Christie ao som do
meloso "Tema de Lara", de Maurice Jarre. Embora a ingenuidade
na construção do argumento seja
basicamente a mesma, o romance
adaptado para as telas por David
Lean tem bem mais complexidade e força poética do que o filme.
Judeu moscovita, Boris Pasternak (1890-1960), tinha já uma
obra de peso quando, inspirado
pelo clima de abertura -que se
seguiu ao 20º Congresso do Partido Comunista da URSS, em 1956,
em que o líder Nikita Khruschov
denunciou os crimes de seu antecessor, Josef Stálin- tentou publicar o livro em seu país.
A revista "Novi Mir" ("Novo
Tempo"), contudo, recusou-se a
editar o trabalho de um autor que
já havia sido seguidamente apontado como anti-soviético, e que,
nos tempos mais bravos do stalinismo, teve que se refugiar nas
traduções, vertendo para seu idioma Shakespeare, Goethe e Rilke.
Pasternak enviou a obra, então,
para o editor milanês Giangiacomo Feltrinelli, filiado ao partido
comunista de seu país, que publicou-a em 1957. A represália dos
poderes constituídos veio quando
o autor foi agraciado com o Nobel; pressionado a escolher entre a
láurea e a pátria, ficou com a segunda, em cuja imprensa, contudo, continuou a ser atacado, mesmo após a renúncia ao prêmio,
até morrer, de câncer, em 1960.
Com a "glasnost" de Mikhail
Gorbatchov, "Doutor Jivago" foi
publicado pela mesma "Novi
Mir" que o recusara nos anos 50.
No Brasil, circulou em edição da
Itatiaia (1958), traduzida da versão italiana.
Os "anos terríveis" da vida do
médico e poeta Iuri Jivago vão de
1903 a 1943. Jivago acompanha de
perto momentos cruciais da história de seu país, como a Primeira
Guerra Mundial e a Revolução
Russa, na qual deposita uma esperança que logo se converte na
mais amarga das decepções.
Seu desapontamento, contudo,
não se torna adesão aos "brancos"
(opositores dos bolcheviques),
cujas atrocidades são narradas de
maneira também detalhada. Para
Isaac Deutscher (1907-1967), a
mensagem do livro é "vagamente
antimarxista". Para outros, sua
personagem feminina mais forte,
Lara, foi baseada em Larissa Reisner, bolchevique de origem aristocrática morta de tifo aos 31
anos, incensada por Trótski em
"Minha Vida" e celebrada por
Pasternak como "a primeira e talvez a única mulher da revolução".
Para além da conotação política,
"Doutor Jivago" é um daqueles
calhamaços que constituem respeitável presente de Natal e boa
leitura para as férias de verão. No
final do livro, os poemas do personagem-título recebem cuidadosa tradução de Marco Lucchesi.
Doutor Jivago
Autor: Boris Pasternak
Tradução: Zoia Prestes
Lançamento: Record
Quanto: R$ 50 (627 págs.)
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