São Paulo, sábado, 21 de dezembro de 2002

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LIVROS/LANÇAMENTO

"DOUTOR JIVAGO"

Livro supera cinema em força poética

IRINEU FRANCO PERPETUO
FREE-LANCE PARA A FOLHA

O mais célebre romance russo do século 20 está voltando às prateleiras das livrarias brasileiras. "Doutor Jivago", de Boris Pasternak, aparece em nova tradução, feita diretamente do russo por Zoia Prestes.
A menção do nome Jivago imediatamente evoca imagens de Omar Shariff fugindo dos comunistas e traindo Geraldine Chaplin com Julie Christie ao som do meloso "Tema de Lara", de Maurice Jarre. Embora a ingenuidade na construção do argumento seja basicamente a mesma, o romance adaptado para as telas por David Lean tem bem mais complexidade e força poética do que o filme.
Judeu moscovita, Boris Pasternak (1890-1960), tinha já uma obra de peso quando, inspirado pelo clima de abertura -que se seguiu ao 20º Congresso do Partido Comunista da URSS, em 1956, em que o líder Nikita Khruschov denunciou os crimes de seu antecessor, Josef Stálin- tentou publicar o livro em seu país.
A revista "Novi Mir" ("Novo Tempo"), contudo, recusou-se a editar o trabalho de um autor que já havia sido seguidamente apontado como anti-soviético, e que, nos tempos mais bravos do stalinismo, teve que se refugiar nas traduções, vertendo para seu idioma Shakespeare, Goethe e Rilke.
Pasternak enviou a obra, então, para o editor milanês Giangiacomo Feltrinelli, filiado ao partido comunista de seu país, que publicou-a em 1957. A represália dos poderes constituídos veio quando o autor foi agraciado com o Nobel; pressionado a escolher entre a láurea e a pátria, ficou com a segunda, em cuja imprensa, contudo, continuou a ser atacado, mesmo após a renúncia ao prêmio, até morrer, de câncer, em 1960.
Com a "glasnost" de Mikhail Gorbatchov, "Doutor Jivago" foi publicado pela mesma "Novi Mir" que o recusara nos anos 50. No Brasil, circulou em edição da Itatiaia (1958), traduzida da versão italiana.
Os "anos terríveis" da vida do médico e poeta Iuri Jivago vão de 1903 a 1943. Jivago acompanha de perto momentos cruciais da história de seu país, como a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa, na qual deposita uma esperança que logo se converte na mais amarga das decepções.
Seu desapontamento, contudo, não se torna adesão aos "brancos" (opositores dos bolcheviques), cujas atrocidades são narradas de maneira também detalhada. Para Isaac Deutscher (1907-1967), a mensagem do livro é "vagamente antimarxista". Para outros, sua personagem feminina mais forte, Lara, foi baseada em Larissa Reisner, bolchevique de origem aristocrática morta de tifo aos 31 anos, incensada por Trótski em "Minha Vida" e celebrada por Pasternak como "a primeira e talvez a única mulher da revolução".
Para além da conotação política, "Doutor Jivago" é um daqueles calhamaços que constituem respeitável presente de Natal e boa leitura para as férias de verão. No final do livro, os poemas do personagem-título recebem cuidadosa tradução de Marco Lucchesi.


Doutor Jivago
   
Autor: Boris Pasternak
Tradução: Zoia Prestes
Lançamento: Record
Quanto: R$ 50 (627 págs.)



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