|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OSESP
Muito barulho por tudo: feliz Natal com Mendelssohn
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
"Mendelssohniano " dói
no ouvido. Mas talvez
não haja outra palavra para descrever essa qualidade, que entra
no mundo em meados da terceira
década do século 19. "Osespiano"
é pior ainda, mas talvez não haja
outro termo para qualificar o que
se ouviu quinta-feira, na Sala São
Paulo. Faltaria só inventar um adjetivo para "Minczuk", que regeu
o "Lobgesang" no concerto de encerramento da temporada.
O "Lobgesang" (Canto de Louvor) é um gigante híbrido, mescla
de sinfonia e cantata. Música instrumental e música vocal se somam, no alto espírito de cultura
que define não só a arte de Mendelssohn (1809-47), mas a de contemporâneos seus como Berlioz e
Schumann. Expansivo e expressivo, o "Canto de Louvor" transforma a sala de concertos em catedral e faz da música, em si, a mais
alta forma de religião.
Seria de esperar que a Osesp, a
essa altura -depois de um ano
tão cheio, incluindo há pouco a
turnê americana, e agora castigada de novo por tribulações internas- soasse à beira da fadiga. A
platéia visivelmente estava, uma
multidão de rostos cansados, querendo sair logo de 2002. Mas nem
bem o maestro começou a gingar
no "Aleluia!" e o que se ouviu foi
um Mendelssohn... -qual é a palavra?- "minczukista" não dá.
Foi um som diferente da Osesp,
mais leve e com mais acento, rico
de camadas distintas.
Exemplos? 1) os ataques das
cordas na grande ária do tenor
Fernando Portari, entre "Ich will
dich erleuten" (Quero iluminar-te) e "Wir riefen in der Finsternis"
(Clamamos nas trevas); 2) na última ária, para soprano e tenor
-com a esplêndida dinamarquesa Tina Kiberg, voz poderosa e
sensual, veludo e ferro-, o crescendo das cordas quando eles clamam em nome do Senhor em
contraponto com os sopros, sempre "piano".
Mais? Trombones e órgão, depois violoncelos e contrabaixos,
no Coro Final. Se essa é a voz do
Senhor, quero um autógrafo.
Vamos conjugar, agora, o nome
do gênio da noite, discretamente
sentado na segunda fileira dos sopros. E, dê, eme, ene, i, ele, esse, o,
ene. Ene, ê, erre, ipsilone. Depois
daquele "pianissimo" do clarinete, no primeiro movimento, a tentação era ir embora, para não carregar a memória com mais nada.
Mas isso teria nos privado do segundo pequeno solo, que foi tão
ou mais bonito. Uma coisa dessas
inspira a própria orquestra, que já
vinha tocando em grande forma.
Continuando com os destaques.
Foi lindo o dueto das sopranos,
Kiberg lado a lado com nossa diva
Céline Imbert, cuja presença calada já faz música e cuja música faz
a gente calar por dentro.
O Coro da Osesp é um portento.
Roberto Minczuk regeu tudo
com aquela "juventude" que vem
sempre associada ao compositor.
Mas, entre tantas palavras erradas, "juventude" não ajuda a entender o registro da música, um
dos exemplos mais memoráveis
do que pode ser uma inteligência
adulta e feliz.
Feliz Natal.
Osesp
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes,
s/nš, SP, tel. 0/xx/11/3337-5414)
Quando: hoje, às 16h30
Quanto: de R$ 12 a R$ 36
Texto Anterior: Cinema: Morre o autor de "Disque M para Matar" Próximo Texto: Política cultural: Numeração de CDs passa a ser obrigatória Índice
|