São Paulo, sábado, 21 de dezembro de 2002

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OSESP

Muito barulho por tudo: feliz Natal com Mendelssohn

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

"Mendelssohniano " dói no ouvido. Mas talvez não haja outra palavra para descrever essa qualidade, que entra no mundo em meados da terceira década do século 19. "Osespiano" é pior ainda, mas talvez não haja outro termo para qualificar o que se ouviu quinta-feira, na Sala São Paulo. Faltaria só inventar um adjetivo para "Minczuk", que regeu o "Lobgesang" no concerto de encerramento da temporada.
O "Lobgesang" (Canto de Louvor) é um gigante híbrido, mescla de sinfonia e cantata. Música instrumental e música vocal se somam, no alto espírito de cultura que define não só a arte de Mendelssohn (1809-47), mas a de contemporâneos seus como Berlioz e Schumann. Expansivo e expressivo, o "Canto de Louvor" transforma a sala de concertos em catedral e faz da música, em si, a mais alta forma de religião.
Seria de esperar que a Osesp, a essa altura -depois de um ano tão cheio, incluindo há pouco a turnê americana, e agora castigada de novo por tribulações internas- soasse à beira da fadiga. A platéia visivelmente estava, uma multidão de rostos cansados, querendo sair logo de 2002. Mas nem bem o maestro começou a gingar no "Aleluia!" e o que se ouviu foi um Mendelssohn... -qual é a palavra?- "minczukista" não dá. Foi um som diferente da Osesp, mais leve e com mais acento, rico de camadas distintas.
Exemplos? 1) os ataques das cordas na grande ária do tenor Fernando Portari, entre "Ich will dich erleuten" (Quero iluminar-te) e "Wir riefen in der Finsternis" (Clamamos nas trevas); 2) na última ária, para soprano e tenor -com a esplêndida dinamarquesa Tina Kiberg, voz poderosa e sensual, veludo e ferro-, o crescendo das cordas quando eles clamam em nome do Senhor em contraponto com os sopros, sempre "piano".
Mais? Trombones e órgão, depois violoncelos e contrabaixos, no Coro Final. Se essa é a voz do Senhor, quero um autógrafo.
Vamos conjugar, agora, o nome do gênio da noite, discretamente sentado na segunda fileira dos sopros. E, dê, eme, ene, i, ele, esse, o, ene. Ene, ê, erre, ipsilone. Depois daquele "pianissimo" do clarinete, no primeiro movimento, a tentação era ir embora, para não carregar a memória com mais nada. Mas isso teria nos privado do segundo pequeno solo, que foi tão ou mais bonito. Uma coisa dessas inspira a própria orquestra, que já vinha tocando em grande forma.
Continuando com os destaques. Foi lindo o dueto das sopranos, Kiberg lado a lado com nossa diva Céline Imbert, cuja presença calada já faz música e cuja música faz a gente calar por dentro.
O Coro da Osesp é um portento.
Roberto Minczuk regeu tudo com aquela "juventude" que vem sempre associada ao compositor. Mas, entre tantas palavras erradas, "juventude" não ajuda a entender o registro da música, um dos exemplos mais memoráveis do que pode ser uma inteligência adulta e feliz.
Feliz Natal.


Osesp
    
Onde: Sala São Paulo (pça. Júlio Prestes, s/nš, SP, tel. 0/xx/11/3337-5414)
Quando: hoje, às 16h30
Quanto: de R$ 12 a R$ 36



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