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FERREIRA GULLAR
Bagunça
Espero que o novo prefeito do Rio coloque ordem na cidade; estamos à beira do caos
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ESTOU EM fase de resmungos.
Espero que o leitor não se
aborreça, uma vez que quem
muito reclama corre o risco de virar
um chato. E isso é tudo o que um
cronista não pode ser.
Mas que hei de fazer se tantas coisas erradas me saltam aos olhos? Há
quem diga que reclamar não adianta, mas, como não posso consertar o
errado, só me resta resmungar na
esperança de que as autoridades
cumpram seu dever.
Se não fosse um resmungão, faria
vista grossa ao que me desagrada e
iria à praia. Só que no caminho, de
minha casa à praia, já recomeço a
resmungar porque uma dupla de
marmanjos estacionou o carro quase embaixo de minha janela, escancarou as portas, pôs o rádio no máximo e começou a bebericar cerveja.
Como hoje é domingo, os dois ficarão ali até anoitecer, azucrinando-me os ouvidos, mesmo porque não
tenho a menor intenção de ir à praia,
pois ali está programado um show
musical de estremecer quarteirão.
Às vezes me pergunto se o problema não sou eu mesmo, que me tornei um velho turrão. Mas não. Outro
dia, conversando com uma amiga,
também moradora de Copacabana,
ouvi dela a seguinte história: na sua
rua (como na minha) costuma passar um carro com alto-falante estridente anunciando a compra de metais velhos, de panelas furadas até
ferros de passar roupa desativados.
Um vizinho, irritado com aquilo,
berrou da janela: "Pára com isso,
idiota!" A resposta, pelo alto-falante,
foi fulminante, ofendendo até a mãe
do morador. Não demorará muito,
alguém vai perder a paciência e revidar a tiros a impertinência do comprador de metais velhos. É justiça
pelas próprias mãos, já que as autoridades não agem.
E não agem nem quando solicitadas. Essa amiga me disse que ligou
para a prefeitura reclamando, e o
funcionário respondeu que o problema era da polícia. Ela então ligou
para a polícia que a mandou queixar-se à prefeitura. A verdade é que
recentemente foi sancionada uma
lei que proíbe esse tipo de propaganda nas ruas do Rio, mas a lei é descumprida e fica por isso mesmo.
Insisto neste assunto porque o Rio
terá em breve um novo prefeito e a
nossa esperança é que ele tome alguma atitude para pôr ordem na cidade, já que nos encontramos à beira
do caos.
Vejam bem: ao lado do meu edifício, há uma rua de passeio e, à entrada dela, uma placa enorme adverte:
"É proibido estacionar carros, caminhões e motocicletas nesta rua".
Pois bem, há anos e anos, a rua vive
repleta de automóveis, caminhões e
motocicletas. Os guardas de trânsito
e os membros da polícia municipal
passam todos os dias por aqui e nada
fazem. Nunca nenhum carro foi rebocado nem multado. Por que?
Porque a desordem ocupou o lugar da ordem, porque o desrespeito
à lei ocupou o lugar do respeito, e
aqueles que têm por função fazer como que todos cumpram as leis, não
estão nem aí. Levam propina.
Um vizinho meu, que costuma ir à
praia de manhã cedo, quase foi mordido por um cachorro que um sujeito soltou na areia. Ele estava acompanhado de dois cães enormes e os
deixou correrem na praia à vontade,
latindo e ameaçando as pessoas.
Meu vizinho caminhou até um jipe
onde dois guardas conversavam indiferentes ao que se passava. Quando pediu a eles que tomassem alguma providência, já que era proibido
levar cães para a praia, fizeram de
conta que não ouviram e lhe deram
as costas. Ou seja, quem exige que se
obedeça à lei, na opinião da polícia,
não passa de um chato.
Esse é o quadro geral na cidade do
Rio de Janeiro. Poderia acrescentar
muitos outros casos, como, por
exemplo, estacionar veículos na passagem de pedestres, andar de bicicleta e até de moto nas calçadas, sem
levar em conta os transeuntes. Tudo
isso é feito em larga escala e a qualquer hora do dia ou da noite. Tornou-se normal.
Não faz um mês, deparei-me com
um senhor caído no chão, a testa
sangrando: fora atropelado, ao sair
do edifício, por um triciclo que trafegava em alta velocidade pela calçada.
Violar as normas do trânsito, da segurança dos cidadãos, do lazer sem
sobressaltos, são fatos tão freqüentes que, se alguém se atreve a protestar ou reclamar, corre o risco de ser
agredido, sob o olhar indiferente dos
policiais. Estes, quando não se omitem porque estão mancomunados
com os infratores, omitem-se porque não querem se aborrecer nem
meter-se em encrencas. E, se o problema é um assalto à mão armada, aí
mesmo é que não se pode contar
com eles: ganham muito pouco para
arriscar a vida.
Pergunto, então, ao novo prefeito:
que acha o senhor que se deve fazer
quando o desrespeito às normas virou norma e aqueles que têm o dever de zelar por elas nada fazem?
Tocar um tango argentino?
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