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CRÍTICA
Roteiro limita real à figuração
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Primeiro dos "Narradores de
Javé", Zaqueu (Nelson Xavier), personagem que faz a intermediação, até mesmo no vocabulário, entre o Brasil profundo dos
sertões e o Brasil oficial do litoral,
conta sua história a um jovem de
passagem, em um boteco.
A história do dia em que ele
anunciou aos habitantes do vilarejo de Javé que a construção de
uma hidrelétrica iria desalojar a
todos. Contra a ameaça das águas
e do esquecimento, os javelianos
decidiram erguer seu "patrimônio oral", levando a memória viva
de seu povo para o livro da "História Grande do Vale de Javé".
O encarregado de protagonizar
a quixotesca empreitada é Antônio Biá (José Dumont), escrivão
solitário numa terra de analfabetos. O problema é que Biá, "intelectuário e alcoólatra", não é nenhum Euclydes da Cunha. Com
sua mania de "amelhorar" o depoimento dos javelianos, o escrevinhador lança em cena uma velha querela historiográfica: são
mesmo os registros oficiais mais
confiáveis, para historiadores, do
que fontes orais? Para os defensores da história oral, os testemunhos coletados em pesquisas de
campo estão mais próximos da
fonte original e podem ter os seus
dados checados mais facilmente.
Com o roteiro escrito com o
dramaturgo Luiz Alberto Abreu,
a diretora Eliane Caffé partiu para
o sertão com sua equipe, esperando encontrar nos habitantes de
Gameleira da Lapa a autenticidade de seu projeto. Retomando o
método de "Kenoma", Caffé amadureceu seu trabalho no convívio
com habitantes e realidade locais.
O porém é que os restringiu à figuração. Caffé só chegou àquela
que deveria ser a essência do projeto por um atalho desnecessário
no roteiro: com uma câmera, um
engenheiro da hidrelétrica, registra testemunhos de alguns nativos, dando-lhes por fim voz ativa.
De certa forma, Caffé perde a
oportunidade de estabelecer um
diálogo em igualdade de condições entre equipe e nativos, entre
atores e personagens reais, e se
aprofundar na relação entre documentário e ficção. Por outro lado, a opção lhe permite não perder de vista o tom picaresco que
visa imprimir à sua comédia.
Narradores de Javé
Produção: Brasil, 2003
Direção: Eliane Caffé
Com: José Dumont, Matheus
Nachtergaele, Nelson Xavier
Quando: a partir de amanhã, nos cines
Morumbi, Espaço Unibanco e circuito
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