São Paulo, sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

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Masp recebe séries de gravuras de Chagall

"A Bíblia" e "Dafne e Cloé" pontuam dois lados da poética do artista russo

Mostra chega a São Paulo com outras duas séries de gravuras depois de passar por museus do Rio e de Belo Horizonte no ano passado

Divulgação
"Primavera na Pradaria", gravura da série "Dafne e Cloé", do russo Marc Chagall, em mostra que será aberta amanhã no Masp

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Chagall se divide em dois mundos separados pela guerra. No levante do nazi-fascismo, nos anos 30, fez sua versão dos episódios bíblicos flertando com as figuras tempestuosas do expressionismo e a luz faiscante de Rembrandt. Passado o caos, retrata um universo pós-escombros mergulhando na potência cromática de Matisse.
Na mostra que chega agora ao Masp, depois de passar por Rio e Belo Horizonte, duas séries de gravuras pontuam a ambivalência na obra deste artista.
Russo radicado na França, Marc Chagall virou um dos maiores nomes da história da arte sem se enquadrar em nenhuma das vanguardas do século 20. Misturou as arestas saltadas do expressionismo à sensualidade das cores dos fauvistas, numa obra que pende para a síntese absoluta.
Mas "A Bíblia" e "Dafne e Cloé", séries de gravuras que chegam inteiras ao Masp, são pontos opostos desse espectro. Suas figuras na primeira dessas séries são arquetípicas, agigantadas. Chagall detona proporções para submeter o traço à importância do personagem.
Engrossa as linhas, exalta a nitidez, dividindo luz e sombra. Em "Abraão Chorando por Sara", a figura do homem desponta como monumento sobre o corpo diminuto da mulher, num jogo épico de oposições.
"Vocação de Ezequiel", "Sofrimento de Jeremias" e outros episódios também se estruturam em torno dessa distorção -seus homens sinuosos lembram aqui as figuras alongadas do artista espanhol El Greco.
"É a tentativa de criar um sentimento grandioso", resume Fábio Magalhães, curador da mostra. "E isso é diferente, porque a poética de Chagall não é épica, é sensual, romântica, exalta a beleza comum."
Numa ponte com o resto da obra do artista, algumas cenas dispensam a construção teatral do espaço e assumem o caráter fluido que marcou quase todos os quadros de Chagall. "Moisés e a Serpente" funde camadas da composição. Elementos do primeiro plano determinam a posição dos personagens de trás, numa arquitetura alegórica.

Espaços fantásticos
São esses espaços fantásticos, livres da rigidez dos planos, que Chagall constrói em "Dafne e Cloé". Num mundo que beira o lisérgico, de vermelhos sanguíneos e azuis ultramarinos, ele esgarça uma espécie de ternura ensandecida. É sua interpretação sublime do amor arquitetada sobre explosões de cor num plano convulsionado.
Surgem vacas em voo livre, cabras que se sentam à mesa do banquete, amantes em ascensão, flores, homens e mulheres em turbilhões multicoloridos.
"Esse é o mundo hedonista, onde os deuses se misturam de outra forma com o homem", descreve Magalhães. "São duas visões de mundo, primeiro o Deus que castiga e depois os deuses pagãos, que se fundem a virtudes e defeitos humanos."
Talvez menos a guerra e mais o contraste entre crenças tenha servido de impulso às duas séries. Lado a lado, mostram um artista que soube transitar por diversas correntes estéticas e -acima delas- as éticas.


MARC CHAGALL

Quando: abertura amanhã, às 11h; de ter. a dom., das 11h às 18h; qui., até 20h; até 28/3
Onde: Masp (av. Paulista, 1.578, tel. 0/xx/11/3251-5644)
Quanto: R$ 15


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