São Paulo, sábado, 22 de janeiro de 2011 |
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CRÍTICA ROMANCE Tramas de Marcos Rey têm a qualidade da pura sedução Reedição de dois livros comprova o talento narrativo cômico do escritor
NELSON DE OLIVEIRA ESPECIAL PARA A FOLHA A Global Editora está relançando dois romances de Marcos Rey (1925-1999): "Entre Sem Bater", publicado primeiramente na forma de folhetim em 1960, e "A Sensação de Setembro", de 1989. Definir de maneira objetiva a obra desse escritor não é um trabalho fácil. Em torno dela há ainda muito afeto conflituoso. O grande público adora seus contos e romances, mas estes sempre andaram na contramão do gosto especializado. Marcos Rey, admirado principalmente por "O Enterro da Cafetina" (contos, 1967) e "Memórias de um Gigolô" (romance 1968), não é um escritor da linguagem transgressora, como Clarice Lispector (1920 - 1977) e Guimarães Rosa (1908-1967). Ele é um ficcionista do enredo bem urdido, como Erico Verissimo (1905-1975) e Jorge Amado (1912-2001), menos amados pela crítica especializada. Há ainda um detalhe apimentando o debate. Sua obra tem uma característica difícil de ser enquadrada estruturalmente: a pura sedução. "Entre Sem Bater" é um romance sobre a ganância e a cobiça erótica. O cinquentão Ângelo, patrão de Ricardo, deseja Irene, jovem mulher do funcionário. Irene e Ricardo, por sua vez, ambicionam uma promoção e um salário maior para ele. Está armado o explosivo triângulo de interesses, como na história bíblica do rei Davi, do soldado Urias e de sua mulher, Betsabá. Mais do que o triângulo vicioso, são os milhares de detalhes jocosos que tornam o romance tão sedutor. Nisso o autor é mestre: ele sabe, como poucos, acomodar anedotas da boemia dentro de crônicas urbanas. BUFONARIA Marcos Rey escreveu muito para o rádio e a televisão. O romance "A Sensação de Setembro" tem a picardia de uma telenovela. A rica família Kremmelbein é a protagonista dessa espirituosa opereta-bufa. Ferd, o patriarca, morre logo no começo da história, atingido por um vaso despencado de um edifício. Duducha, a viúva, passa então a ser o centro de gravidade das figuras mais excêntricas. Entre elas, o filho que projeta artefatos militares, o terapeuta do rapaz, o mordomo pau-para-toda-obra, a faxineira curvilínea, uma modelo de revista masculina e um violinista, dono do vaso que atingiu Ferd. Doze anos após a morte de Marcos Rey, sua obra enfrenta hoje o teste de sobrevivência que já derrotou muito escritor consagrado. É bom lembrar que os esquecidos Coelho Neto (1864-1934) e Stefan Zweig (1881-1942) já foram badaladíssimos em seu tempo. Mas passar nesse teste não depende apenas da vontade do grande público ou da crítica especializada. Depende principalmente do acaso, essa força que move o mundo em uma direção ou outra. NELSON DE OLIVEIRA é autor de "Poeira: Demônios e Maldições" (Língua Geral) ENTRE SEM BATER AUTOR Marcos Rey EDITORA Global QUANTO R$ 32 (216 págs.) AVALIAÇÃO bom A SENSAÇÃO DE SETEMBRO QUANTO R$ 29 (166 págs.) AVALIAÇÃO bom Texto Anterior: Livros: Ian McEwan é acusado de apoiar Israel Próximo Texto: Crítica/Romance: Marcelo Ferroni corrói imagem heroica e romântica de Che Índice | Comunicar Erros |
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