São Paulo, sábado, 22 de janeiro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

CRÍTICA ARQUITETURA

Imagens revelam gênese da capital federal

"Arquivo Brasília" mistura fotos profissionais e amadoras para narrar os bastidores da construção da cidade

FERNANDO SERAPIÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA

"Arquivo Brasília" é fruto de uma tarefa hercúlea que os organizadores, dois fotógrafos, se propuseram: buscar em arquivos públicos e privados imagens da gênese da capital brasileira.
Encontraram 200 mil imagens, trataram 4.000 e publicaram 1.400 fotos, separadas por temas. Um trabalho de sete anos.
Há pouco texto (e o tamanho dificulta a leitura), mas eles não decepcionam, sobretudo os ensaios de Mark Gisbourne (sobre a seleção de imagens) e Guilherme Wisnik (sobre a relação entre natureza e cultura) e a entrevista de Mario Cesar Carvalho com Lucio Costa (1902-1998), publicada em 1995 nesta Folha. O resultado é emocionante. Como aponta Gisbourne, as fotos amadoras -embaralhadas com profissionais- humanizam a epopeia e aproximam o tema do leitor, fato que é corroborado pelo embaralhamento de imagens de protagonistas e coadjuvantes.
Seria como encontrar, no armário da bisavó morta, uma caixa imensa com fotos desconhecidas de toda a nossa família.
Quem tem alguma familiaridade com a cidade agora poderá saber -sem escaramuçar arquivos puídos- que aquela tia mal falada um dia foi formosa e alegre.
Até especialistas vão se lambuzar com tanta novidade velha: imagens da terraplanagem, a tenda desenhada por Oscar Niemeyer para a primeira missa, a beleza da construção de obras como a torre ou a rodoviária.
Quem não conheceu pode ver como era bonito o centro de convenções de Sérgio Bernardes (1919-2002) pré-reforma desastrosa. E a imagem de Juscelino Kubitschek (1902-1976) na intimidade?
Antes de ser alçado ao pedestal em forma de foice, sua mão de bronze é tocada pelo operário em uma cena que lembra a Capela Sistina.
Se as imagens dos bastidores da construção são reveladas, fica atrás da cortina a própria feitura do volume, que envolve o idealismo do alemão que financiou boa parte do trabalho em contraste com a angústia de ver o estado original das imagens dos arquivos públicos. A publicação escancara uma porta para pesquisadores de várias áreas. Afinal de contas, quem são todos aqueles personagens -a maioria deles não identificados- e o que eles estavam pensando?
Fica a certeza de que a cidade clama por um biógrafo. A imersão nas imagens nos dá a sensação de termos vivenciado, de fato, a construção da cidade e, por tabela, do Brasil moderno.


FERNANDO SERAPIÃO é crítico de arquitetura e editor da revista "Projeto Design"

ARQUIVO BRASÍLIA

AUTOR Lina Kim e Michael Wesely
EDITORA Cosac Naify
QUANTO R$ 198 (528 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo


Texto Anterior: Crítica/Romance: Marcelo Ferroni corrói imagem heroica e romântica de Che
Próximo Texto: Arquiteto Carlos Teixeira faz elogio a vazios urbanos
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.