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MEMÓRIA
"Sou um reacionário de esquerda"
SILVIO CIOFFI
EDITOR DE TURISMO
Doutor em trocadilhos e um
erudito cujos conhecimentos iam
da literatura ao cinema, Guillermo Cabrera Infante, que faria 76
anos no dia 22 de abril, dia do
Descobrimento do Brasil, virou
verbete da Enciclopédia Britânica
depois de publicar, em 1964, "Três
Tristes Tigres".
Mas a mesma enciclopédia, que
relaciona entre seus talentos o de
diplomata, não leva em conta que
Cabrera era tão amável no dia-a-dia quanto ácido nos seus textos e
declarações públicas.
Cabrera Infante chamava Fidel
Castro de "egomaníaco com sede
de poder" e de "réplica branca de
Idi Amim". Autor de "Havana Para Um Infante Defundo" (1979),
escreveu, com todas as letras, em
"Mea Cuba" (1992), que sofria de
"Castroenteritis". Mas foi ironicamente, talvez, adido diplomático
em Bruxelas de 1962 a 1965.
Reviravolta
O escritor, que começou sua
carreira em 1947 como editor de
revistas literárias e crítico de cinema, apoiou a Revolução Cubana,
que tomou o poder em janeiro de
1959. Já na Europa, acabou por se
desentender com o regime, e, inicialmente buscou o exílio na Espanha, levando sua mulher
Myrian Gómez na bagagem. A ligação de ambos era tal que Cabrera a chamava de "minha Havana
portátil". Myrian, que só faltava
acender o charuto do marido, foi
uma importante atriz do cinema
"revolucionário" em Cuba.
Foram tempos difíceis. Em plena ditadura franquista, que durou
até 1975, a polícia política não
acreditava muito na conversão de
Cabrera, que afinal, se mudou para Londres, aliás para a "Swinging
London". Lá, em 1968, foi apresentado pelos irmãos Haroldo e
Augusto de Campos a Gilberto Gil
e Caetano Veloso.
Vinte anos depois, em 1988, a
Folha reuniu todos no Museu de
Arte de São Paulo, num evento
para 600 pessoas, onde, provocado por Caetano, disse ser um
"reacionário de esquerda".
Cabrera Infante gostava do Brasil. Via semelhanças entre as culturas brasileira e cubana, citando
a "santeria" (religiões afro). Era
tão vidrado nas músicas de Caetano quanto em "Grande Sertão Veredas", de Guimarães Rosa.
Quando visitado por amigos
brasileiros em seu apartamento
londrino, em 53 Gloucester Road,
South Kensington, lembrava, no
entanto, que havia descoberto o
Brasil muito antes, quando integrou a "entourage" de Fidel, em
abril de 1959.
A propósito dessa visita, contava que a comitiva foi recebida por
JK -e que testemunhou a construção de Brasília. E, entre baforadas, ria, ao lembrar que, à boca
pequena, depois de uma explicação de Oscar Niemeyer, Fidel teria
dito: "isso não vai ter futuro". Aí
seu olhar asseverava que tudo era
fanfarronice e inveja: "não havia
nada como isso "en la Havana'".
Cáustico, dizia que jamais ganharia o Nobel de Literatura, "dado a escritores de esquerda".
"Gostaria de ter visto Jorge Amado recebendo o prêmio", disse ele
à Folha, em 1998, criticando o escritor português José Saramago, a
quem chamava de "ser amargo".
Em 2002, vendo na TV Jimmy
Carter em Cuba, Cabrera o chamou de "el manissero" (vendedor
de amendoins), fazendo uma referência ao ex-presidente dos
EUA (1977-1981) ser fazendeiro
na Geórgia. E sentenciou: "Carter
está é querendo o Nobel da Paz".
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