São Paulo, terça-feira, 22 de fevereiro de 2005

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MEMÓRIA

"Sou um reacionário de esquerda"

SILVIO CIOFFI
EDITOR DE TURISMO

Doutor em trocadilhos e um erudito cujos conhecimentos iam da literatura ao cinema, Guillermo Cabrera Infante, que faria 76 anos no dia 22 de abril, dia do Descobrimento do Brasil, virou verbete da Enciclopédia Britânica depois de publicar, em 1964, "Três Tristes Tigres".
Mas a mesma enciclopédia, que relaciona entre seus talentos o de diplomata, não leva em conta que Cabrera era tão amável no dia-a-dia quanto ácido nos seus textos e declarações públicas.
Cabrera Infante chamava Fidel Castro de "egomaníaco com sede de poder" e de "réplica branca de Idi Amim". Autor de "Havana Para Um Infante Defundo" (1979), escreveu, com todas as letras, em "Mea Cuba" (1992), que sofria de "Castroenteritis". Mas foi ironicamente, talvez, adido diplomático em Bruxelas de 1962 a 1965.

Reviravolta
O escritor, que começou sua carreira em 1947 como editor de revistas literárias e crítico de cinema, apoiou a Revolução Cubana, que tomou o poder em janeiro de 1959. Já na Europa, acabou por se desentender com o regime, e, inicialmente buscou o exílio na Espanha, levando sua mulher Myrian Gómez na bagagem. A ligação de ambos era tal que Cabrera a chamava de "minha Havana portátil". Myrian, que só faltava acender o charuto do marido, foi uma importante atriz do cinema "revolucionário" em Cuba.
Foram tempos difíceis. Em plena ditadura franquista, que durou até 1975, a polícia política não acreditava muito na conversão de Cabrera, que afinal, se mudou para Londres, aliás para a "Swinging London". Lá, em 1968, foi apresentado pelos irmãos Haroldo e Augusto de Campos a Gilberto Gil e Caetano Veloso.
Vinte anos depois, em 1988, a Folha reuniu todos no Museu de Arte de São Paulo, num evento para 600 pessoas, onde, provocado por Caetano, disse ser um "reacionário de esquerda".
Cabrera Infante gostava do Brasil. Via semelhanças entre as culturas brasileira e cubana, citando a "santeria" (religiões afro). Era tão vidrado nas músicas de Caetano quanto em "Grande Sertão Veredas", de Guimarães Rosa.
Quando visitado por amigos brasileiros em seu apartamento londrino, em 53 Gloucester Road, South Kensington, lembrava, no entanto, que havia descoberto o Brasil muito antes, quando integrou a "entourage" de Fidel, em abril de 1959.
A propósito dessa visita, contava que a comitiva foi recebida por JK -e que testemunhou a construção de Brasília. E, entre baforadas, ria, ao lembrar que, à boca pequena, depois de uma explicação de Oscar Niemeyer, Fidel teria dito: "isso não vai ter futuro". Aí seu olhar asseverava que tudo era fanfarronice e inveja: "não havia nada como isso "en la Havana'".
Cáustico, dizia que jamais ganharia o Nobel de Literatura, "dado a escritores de esquerda". "Gostaria de ter visto Jorge Amado recebendo o prêmio", disse ele à Folha, em 1998, criticando o escritor português José Saramago, a quem chamava de "ser amargo".
Em 2002, vendo na TV Jimmy Carter em Cuba, Cabrera o chamou de "el manissero" (vendedor de amendoins), fazendo uma referência ao ex-presidente dos EUA (1977-1981) ser fazendeiro na Geórgia. E sentenciou: "Carter está é querendo o Nobel da Paz".


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