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U2 NO BRASIL/CRÍTICA
Sim, o músico exagera na verborragia, mas no que realmente importa, o rock, ele é hoje o melhor do mundo
Demagogia não diminui os méritos de Bono
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
Pronto. Já deu tempo para
todo mundo deitar e rolar de
rir das bobagens que Bono falou
na estréia da turnê Vertigo, anteontem, em São Paulo.
A ladainha demagógica boniana passou dos limites, atravessando temas universais -amor e
paz-, reivindicações imediatas
-o hexa para o Brasil na Copa e o
fim da pobreza- e o merchandising de produtos que lutam para
ampliar mercado por aqui -como os celulares que tiram fotos e
o "novo Brasil" de Lula.
Mas, antes que Bono se enforque na própria corda, gostaria de
sair em sua defesa. Não por invejar a moça que ele tirou para rebolar em "With or Without You" ou
por ter me emocionado quando
homenageou o pai na melada
"Sometimes You Can't Make It
on Your Own", mas pela simples
razão de que aquilo que realmente interessa num show de rock é a
música. Ou não? Bom, nesse quesito, ninguém nos dias de hoje faz
um show melhor do que o U2.
O que se viu no Morumbi foi
uma síntese da ousadia experimentalista da banda. Teve um
pouco de cada uma das várias fases, de maneira cronologicamente desordenada. Da renovação do
pós-punk dos primeiros álbuns,
como nas canções de "War"
(1983), do incremento melódico
influenciado pelo country e pelo
blues das faixas de "The Joshua
Tree" (1987) à reinvenção do rock
fundido à eletrônica e à dance
music de "Achtung Baby" (1990).
As distorções, ruídos e o tom
épico-dançante criados naquela
ocasião estão para o rock dos anos
80/90 como a guitarra de Bob
Dylan esteve para o dos anos 60.
Da fase pós-"Achtung", em que
a banda voltou às raízes roqueiras
apoiada na guitarra de The Edge,
vieram as faixas convencionais e
de refrão fácil. Com isso, "Vertigo" e "Elevation" fizeram o estádio recordar que o espetáculo comum ali é o futebol, igualando o
coro do público ao das torcidas.
Democráticos, os membros da
banda se revezaram nas rampas,
para que todos pudessem ver que
Bono está barrigudinho, Adam
sempre sorri com um canto da
boca, Larry canta como quem ora
e Edge passa o tempo todo olhando o horizonte. Quem estava longe podia apoiar-se no telão de nitidez impressionante.
Assistir ao U2 é ver a história da
música nesta virada de século
passar diante dos olhos. História
imperfeita, por fazer concessões e
render-se a seu próprio gigantismo. Mas isso porque o tempo é
cruel com tudo o que dura, exceto, é claro, com a cintura de Mick
Jagger...
Ranço geracional
Não há como discordar que Bono perdeu o controle de sua verborragia. Se no passado ele havia
conquistado aqueles que ficaram
órfãos com o "fim da história" e
das ideologias, hoje o que diz não
passa de um blablablá monótono
e absurdo que iguala a questão
palestina à fome africana. Além
da recém-incorporada desigualdade latino-americana, por razões mais do que evidentes.
Mas classificá-los apenas como
um dos produtos da geração "politicamente correta", como o editor da Ilustrada, Marcos Augusto
Gonçalves, escreveu ontem ("Bono personifica a chatice da incorreção política"), é não apenas
uma simplificação como também
revela certo ranço geracional.
Primeiro porque foi justamente
a geração dele (a anterior a da turma que tem 30/40 anos hoje, na
qual me incluo), que achou que
seria possível mesmo mudar o
mundo. Bono pretende apenas
que se remende o que está roto.
Segundo porque deixar que o discurso político dos irlandeses suplante sua importância musical é
sugerir que o rock não tem futuro
por estar apenas dobrando-se a
uma simples moda passageira.
Se existe um horizonte para o
rock, este foi aberto pelo U2. Com
seu elogio (e crítica) à cultura digital e globalizada, a banda é responsável pelo fenômeno do sucesso de bandas difundidas só pela internet, jovens, criativas e vibrantes como os Strokes.
E, cá entre nós, José Saramago é
um Nobel de Literatura, mas só
diz bobagem quando o tema é política; Caetano Veloso pode ser o
maior gênio da música brasileira,
mas também às vezes fala demais,
sem mencionar as posições disparatadas, à esquerda e à direita, de
Gabriel García Márquez e Mario
Vargas Llosa que não desmerecem, nem um pouco, suas obras.
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