São Paulo, quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007

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Cadillacs são exceção na cena "velha-guarda"

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

O rock nunca foi o melhor produto de exportação da Argentina. Os artistas geralmente levam-se a sério demais. Usam roupas escuras, são cabeludos e cheios de "atitude". As letras, por sua vez, transmitem uma revolta anacrônica, como se ainda estivessem nos anos 70 e o punk fosse uma novidade.
Uma das exceções neste cenário "velha-guarda", sem dúvida, foi a banda Los Fabulosos Cadillacs, que por quase duas décadas arejou e trouxe referências diferentes ao rock argentino, fazendo misturas originais em seu divertido repertório de ska-rock popular.
No começo desta década, os Cadillacs se dispersaram, embora sem nunca oficializar o fim do grupo. A boa notícia é que isso liberou seu vocalista e líder, Gabriel Julio Fernandez Capello, mais conhecido como Vicentico, para embarcar num trabalho solo e transformar-se no mais vibrante e criativo cantor e compositor pop do país.
Vicentico, 42, acaba de lançar "Los Pájaros" (ainda sem previsão para sair no Brasil), seu terceiro álbum, em que radicaliza suas características como solista: a música é para dançar, as letras, para fazer chorar.
"As canções são nostálgicas porque minha maior fonte de inspiração são minha infância e minhas lembranças", disse Vicentico em entrevista à Folha, por telefone, de Buenos Aires. "Quanto ao fato de serem dançantes, trata-se de uma tentativa de juntar uma tradição argentina a outros ritmos latino-americanos, para os quais em geral somos muito fechados."
De fato, suas músicas soam como uma mistura da murga -a batucada carnavalesca portenha- com ritmos caribenhos, como a salsa, e com o nosso tão conhecido forró. Como não poderia deixar de ser, a evocação lamuriosa e os temas do tango -as saudades do "arrabal", os corações partidos, a imagem da mãe, a frieza de mulheres inalcançáveis- estão em quase todo CD.

Roberto Carlos
O Brasil aparece sorrateiramente em várias faixas de "Los Pájaros". Na canção "Las Hojas", há um quê de lamento sertanejo, "Felicidad", de bossa nova, e "Si me Dejan" é uma balada Roberto Carlos puro-sangue. "Cresci numa casa de intelectuais, freqüentada por gente de cinema, de teatro. Ouvir Roberto Carlos ali era um crime. Era tido como um cantor brega. Mas as moças que faziam a limpeza ouviam. E eu grudava no rádio delas. Adoro o repertório dele, o da jovem guarda e, principalmente, o da fase mais comercial mesmo", conta.
Por pouco, inclusive, o álbum não traz uma versão de "Proposta" em espanhol, que Vicentico chegou a gravar, mas que ficou de fora porque decidiu, de última hora, que ele só teria canções de sua autoria.
Vicentico vê uma relação pouco explorada entre a música que se faz no Rio da Prata e a brasileira, principalmente do sul do país. "Ali há uma tradição popular, com uma percussão muito característica, e melodias que carregam algo ao mesmo tempo argentino, uruguaio e gaúcho."
Descobrir o que chama de "rincões musicais" e trazê-los para seu trabalho é uma das coisas que Vicentico mais gosta de fazer. "É por causa disso que eu espero que o mundo se globalize menos. Gosto de descobrir que existe um canto que eu não conheço, e que alguém pode vir a descobrir meu bairro e o que se faz nele."
Quase sempre de camiseta, jeans folgadão e alguma camisa mal-abotoada por cima, extremamente sério e gordinho, Vicentico parece qualquer coisa, menos um roqueiro que passa os shows pulando e incitando as pessoas a dançar. O fato de estar sempre acima do peso já lhe deu dores de cabeça, pois não é raro que ele passe mal durante uma apresentação.
Com o lançamento de "Los Pájaros", Vicentico considera fechada uma trilogia de álbuns -iniciada em 2002 com o CD "Vicentico" e que seguiu com "Los Rayos", de 2004.
Agora, um retorno à ativa dos Fabulosos Cadillacs parece estar se anunciando no horizonte. A banda já se reuniu no ano passado para gravar um tributo ao veterano Andrés Calamaro. "É possível, nós nunca falamos que os Cadillacs tinham terminado", diz. De fato, os Cadillacs antes se diluíram do que morreram. Em 1999, o exitoso "La Marcha del Golazo Solitário" ainda trazia a banda na mesma boa forma. Na seqüência, veio a dupla de discos ao vivo: "Hola" e "Chau". Depois, o silêncio que dura até hoje mas que é interrompido aqui e ali por rumores de encontros às escondidas.
Com ou sem o grupo, Vicentico diz que espera um dia cantar no Brasil. E se fosse para fazer um show só com covers de Roberto Carlos. "E por que não?", ri. "Seria ótimo."


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