|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Cadillacs são exceção na cena "velha-guarda"
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
O rock nunca foi o melhor
produto de exportação da Argentina. Os artistas geralmente
levam-se a sério demais. Usam
roupas escuras, são cabeludos e
cheios de "atitude". As letras,
por sua vez, transmitem uma
revolta anacrônica, como se
ainda estivessem nos anos 70 e
o punk fosse uma novidade.
Uma das exceções neste cenário "velha-guarda", sem dúvida, foi a banda Los Fabulosos
Cadillacs, que por quase duas
décadas arejou e trouxe referências diferentes ao rock argentino, fazendo misturas originais em seu divertido repertório de ska-rock popular.
No começo desta década, os
Cadillacs se dispersaram, embora sem nunca oficializar o
fim do grupo. A boa notícia é
que isso liberou seu vocalista e
líder, Gabriel Julio Fernandez
Capello, mais conhecido como
Vicentico, para embarcar num
trabalho solo e transformar-se
no mais vibrante e criativo cantor e compositor pop do país.
Vicentico, 42, acaba de lançar
"Los Pájaros" (ainda sem previsão para sair no Brasil), seu terceiro álbum, em que radicaliza
suas características como solista: a música é para dançar, as letras, para fazer chorar.
"As canções são nostálgicas
porque minha maior fonte de
inspiração são minha infância e
minhas lembranças", disse Vicentico em entrevista à Folha,
por telefone, de Buenos Aires.
"Quanto ao fato de serem dançantes, trata-se de uma tentativa de juntar uma tradição argentina a outros ritmos latino-americanos, para os quais em
geral somos muito fechados."
De fato, suas músicas soam
como uma mistura da murga
-a batucada carnavalesca portenha- com ritmos caribenhos, como a salsa, e com o
nosso tão conhecido forró. Como não poderia deixar de ser, a
evocação lamuriosa e os temas
do tango -as saudades do "arrabal", os corações partidos, a
imagem da mãe, a frieza de mulheres inalcançáveis- estão em
quase todo CD.
Roberto Carlos
O Brasil aparece sorrateiramente em várias faixas de "Los
Pájaros". Na canção "Las Hojas", há um quê de lamento sertanejo, "Felicidad", de bossa
nova, e "Si me Dejan" é uma balada Roberto Carlos puro-sangue. "Cresci numa casa de intelectuais, freqüentada por gente
de cinema, de teatro. Ouvir Roberto Carlos ali era um crime.
Era tido como um cantor brega.
Mas as moças que faziam a limpeza ouviam. E eu grudava no
rádio delas. Adoro o repertório
dele, o da jovem guarda e, principalmente, o da fase mais comercial mesmo", conta.
Por pouco, inclusive, o álbum
não traz uma versão de "Proposta" em espanhol, que Vicentico chegou a gravar, mas que
ficou de fora porque decidiu, de
última hora, que ele só teria
canções de sua autoria.
Vicentico vê uma relação
pouco explorada entre a música que se faz no Rio da Prata e a
brasileira, principalmente do
sul do país. "Ali há uma tradição popular, com uma percussão muito característica, e melodias que carregam algo ao
mesmo tempo argentino, uruguaio e gaúcho."
Descobrir o que chama de
"rincões musicais" e trazê-los
para seu trabalho é uma das
coisas que Vicentico mais gosta
de fazer. "É por causa disso que
eu espero que o mundo se globalize menos. Gosto de descobrir que existe um canto que eu
não conheço, e que alguém pode vir a descobrir meu bairro e
o que se faz nele."
Quase sempre de camiseta,
jeans folgadão e alguma camisa
mal-abotoada por cima, extremamente sério e gordinho, Vicentico parece qualquer coisa,
menos um roqueiro que passa
os shows pulando e incitando
as pessoas a dançar. O fato de
estar sempre acima do peso já
lhe deu dores de cabeça, pois
não é raro que ele passe mal durante uma apresentação.
Com o lançamento de "Los
Pájaros", Vicentico considera
fechada uma trilogia de álbuns
-iniciada em 2002 com o CD
"Vicentico" e que seguiu com
"Los Rayos", de 2004.
Agora, um retorno à ativa dos
Fabulosos Cadillacs parece estar se anunciando no horizonte. A banda já se reuniu no ano
passado para gravar um tributo
ao veterano Andrés Calamaro.
"É possível, nós nunca falamos
que os Cadillacs tinham terminado", diz. De fato, os Cadillacs
antes se diluíram do que morreram. Em 1999, o exitoso "La
Marcha del Golazo Solitário"
ainda trazia a banda na mesma
boa forma. Na seqüência, veio a
dupla de discos ao vivo: "Hola"
e "Chau". Depois, o silêncio que
dura até hoje mas que é interrompido aqui e ali por rumores
de encontros às escondidas.
Com ou sem o grupo, Vicentico diz que espera um dia cantar no Brasil. E se fosse para fazer um show só com covers de
Roberto Carlos. "E por que
não?", ri. "Seria ótimo."
Texto Anterior: Los hermanos Próximo Texto: Mônica Bergamo Índice
|