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Cinema/estréia
"É preciso subverter os filmes de gênero"
Diretor do novo "Senhores do Crime", David Cronenberg rebate a crítica de que voltou a fazer um cinema mais comercial
"Personagem" central na obra do canadense, corpo surge agora como "metáfora do envolvimento com um código, uma ideologia"
Divulgação
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Vincent Cassel, Mina E. Mina e Viggo Mortensen em cena do novo longa do diretor canadense
DA REPORTAGEM LOCAL
Três anos após "Marcas da
Violência", o diretor canadense
David Cronenberg, 64, volta
hoje às salas do país com "Senhores do Crime", em que
acompanha o encontro de Nikolai (Viggo Mortensen, indicado ao Oscar pelo papel), motorista de um clã da máfia russa, com a enfermeira londrina
Anna (Naomi Watts), a partir
da descoberta de um diário.
Na entrevista a seguir, concedida ao jornal francês "Le Monde", ele responde à sugestão da
crítica de que tem se aproximado de um cinema mais comercial, compara a escalação de
elenco à magia negra e descreve
o papel do corpo (sua obsessão
desde sempre) no novo filme.
PERGUNTA - O que o atraiu na história de "Senhores do Crime"?
DAVID CRONENBERG - O crime é
sempre fascinante porque os
criminosos vivem em constante estado de transgressão. Eles
estão além da sociedade, ainda
que aparentem fazer parte dela.
Trata-se, igualmente, de uma
história multicultural. Toronto, a cidade em que vivo, como
Londres, o local em que a história transcorre, orgulham-se de
ser cidades multiculturais. Ao
contrário dos EUA, ao desembarcar em qualquer uma delas
não é preciso abandonar sua
cultura e sua herança nacional.
A cultura de todas essas comunidades cujas atividades giram
em torno do crime é a de seus
países de origem.
PERGUNTA - A escolha dos atores é
um processo óbvio?
CRONENBERG - Depois da filmagem, é o que parece. Escolher o
elenco de um filme é uma espécie de magia negra. É preciso levar diversos fatores em conta,
especialmente o orçamento. Isso posto, eu pensei imediatamente em Viggo Mortensen,
porque me parecia, quando rodei "Marcas da Violência" com
ele, que seria capaz de interpretar um russo. E eu também tinha descoberto que ele tem
bom ouvido musical e fala diversos idiomas. O primeiro ator
escolhido é importante porque,
em seguida, é preciso que haja
uma espécie de alquimia em relação aos demais.
PERGUNTA - O que o senhor pensa
daqueles que dizem que retornou
ao cinema de gênero?
CRONENBERG - Muita gente diz
que retornei a um cinema mais
comercial. Mas o gênero jamais
foi uma preocupação para mim.
Comecei fazendo filmes de terror, de ficção científica, e depois passei por filmes sobre
identidades mascaradas, como
"M. Butterfly" e "Mistérios e
Paixões". Quando você trabalha em um filme, não pensa
nesse tipo de classificação. O
que preocupa é escolher as roupas dos personagens ou as lentes usadas na filmagem.
Mas, por outro lado, é possível explorar a energia dos gêneros. No entanto, caso você faça
aquilo que as convenções ditam, terá realizado um filme tediosamente previsível. É preciso subverter o gênero.
PERGUNTA - Seria possível afirmar
que "Senhores do Crime" é, acima
de tudo, uma tragédia?
CRONENBERG - Para alguns dos
personagens, isso é evidente.
Mas não para outros. Na verdade, não é uma questão que eu
tenha me proposto. O que importa mesmo é a emoção.
PERGUNTA - Uma das idéias do filme é que os laços de sangue são
uma maldição.
CRONENBERG - Em "Senhores do
Crime", muitos personagens
são prisioneiros. Anna, que leva
uma vida comum, tediosa, desbotada, deixa-se fascinar pelo
mundo do restaurante russo,
repleto de animação, música,
crianças. Mas o lugar é também
uma jaula, em que pessoas estão encurraladas.
Uma das prisões mais terríveis é a da família. Tanto aquela
que é dirigida pelo pai interpretado por Armin Mueller-Stahl
quanto a família criminosa. Os
indivíduos procuram se integrar a estruturas das quais não
possam escapar. Entre elas, a
identidade nacional é o elemento mais forte. Cada estrutura tem seu código próprio. As
tatuagens corporais dos criminosos são um deles. Com essas
tatuagens, surge a impressão de
que o corpo conta uma história.
Elas são o elemento visual mais
importante. E a metáfora do
completo envolvimento com
um código, uma ideologia.
PERGUNTA - A luta na sauna é um
momento espantoso.
CRONENBERG - Isso é fruto da
confiança que Viggo Mortensen e eu sentimos um em relação ao outro. Quando decidimos coreografar a briga, Viggo
achou que deveria estar nu.
Qualquer outra coisa reduziria
o realismo necessário a uma cena como aquela. Viggo é um
ator autêntico, não um astro
que procura se proteger a qualquer preço.
PERGUNTA - A sua maneira especial
de filmar Londres não faz da cidade
um lugar abstrato?
CRONENBERG - A mim é impossível filmar uma idéia abstrata.
Preciso partir da realidade. Os
locais de filmagem foram tão
importantes quanto os atores.
Evitamos o Big Ben e Notting
Hill, e filmamos uma Londres
autêntica, desconhecida, a dos
imigrantes, das periferias. Lugares perfeitamente reais, mas
que, na tela, não causam essa
impressão. Pois o cinema cria
seu universo próprio, que jamais se assemelha à realidade.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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