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CRÍTICA/LITERATURA
Em "O Som e a Fúria", Faulkner narra a decrepitude do mundo
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Publicado em 1929, "O Som
e a Fúria" não é só o melhor
romance do norte-americano
William Faulkner (1897-1962)
mas também uma das mais contundentes peças de ficção produzidas no século 20.
A boa notícia, para o leitor brasileiro, que há muitos anos não
contava com uma versão nacional
da obra, é que o romance agora
está sendo lançado numa tradução -definitiva- de Paulo Henriques Britto.
A história dos Compson, decadente família do Mississippi, tornou-se marco estético para o próprio Faulkner, que reconheceu
nunca ter escrito uma obra que
lhe fizesse sentir tamanho "êxtase" criativo.
Disse ainda que todo o romance
fluiu de sua pena a partir da imagem de uma garotinha com calcinhas sujas de lama que trepa numa árvore para bisbilhotar o funeral da avó e cujos fundilhos são
observados por seus pequenos irmãos e pelos empregados domésticos negros.
A menina é a voluntariosa Candance (Caddy), que mais tarde terá de se casar por interesse, dará à
luz uma filha bastarda e sofrerá a
rejeição familiar. Sua trajetória é
retratada através do ponto de vista de seus irmãos, cujos fluxos de
consciência correspondem às três
primeiras partes do romance.
Na primeira e mais radical, temos a perspectiva de Benjamin
(Ben ou Benjy), que "nasceu bobo". O personagem representa a
alusão shakespeariana do título,
extraída do monólogo de Macbeth, que define a vida como
"uma história contada por um
idiota, cheia de som e fúria".
O relato de Benjy funda-se na
sua percepção de perda -das terras dissipadas, da irmã foragida
etc. Mistura contínua de passado
e presente, o trecho é responsável
pela fama de o livro ser difícil.
Mesmo Faulkner disse ter escrito
os segmentos restantes para clarificar o sentido dessa parte inicial,
"que continha toda a história".
O leitor percebe o quebra-cabeça formar-se à medida que as partes se sucedem. Na segunda, ainda narrativamente complexa, temos a perspectiva do incestuoso
(em pensamento) e suicida Quentin, que, ao quebrar os ponteiros
do relógio do avô, sugere um tempo "a-cronológico" da experiência humana.
A terceira, forjada na consciência do rancoroso Jason, transcorre de modo linear. A quarta fecha
o romance na convenção da terceira pessoa verbal.
Nela, o leitor pode partilhar do
alívio de Benjy, cujo acesso de fúria cessa quando vê, da carroça, as
coisas passarem na seqüência a
que está habituado ("poste e árvore, janela e porta e placa, cada um
em seu lugar certo").
O mundo de Benjy, embora
momentaneamente ordenado pela sucessão arbitrária de sinais exteriores, não existe mais. Em abril
("o mais cruel dos meses", segundo T.S. Eliot) de 1928, quando se
passa a maior parte da ação presente, sua família está à beira da
falência. Com a crise dos mercados do ano seguinte, a situação só
pode agravar-se. Não há futuro
para os Compson, apenas um
passado manchado por atos abomináveis, e uma atualidade de intolerância e estagnação.
Como observou Jean-Paul Sartre, em sua análise do livro,
"Faulkner emprega sua arte extraordinária para descrever nossa
angústia [numa época de "revoluções impossíveis'] e um mundo
morrendo de decrepitude".
O Som e a Fúria
Autor: William Faulkner
Tradução: Paulo Henriques Britto
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 53 (335 págs.)
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