São Paulo, quinta-feira, 22 de março de 2007

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NINA HORTA

Saçarico por terras brasileiras

Os gêmeos Torres cruzaram ares e mares até o dia de fazer gêmeas as comidas catalã e brasileira

VAMOS AOS novos livros antes que se acumulem. Título: "Brasil a Dois - Encontro da Gastronomia Catalã com a Brasileira". Autor: Luiz Horta. Chefs protagonistas: os gêmeos espanhóis Javier e Sergio Torres Martinez. Editora Senac.
Conheci os gêmeos em São Paulo, na época daqueles muitos jantares de chefs estrangeiros, e lembro que gostei do que comi, as entradinhas perfeitas, os pratos saborosos. Depois voltaram para viver o livro, viver o que o autor relataria depois.
Era preciso conhecer melhor o Brasil, pesquisar nossos ingredientes, comer e beber, visitar mercados, restaurantes, conversar com outros cozinheiros. A turma veio aqui em casa com a animadora do projeto e produtora Margot Botti.
As donas-de-casa me entenderão.
Sabe aquele dia em que tudo acabou, a geladeira está vazia, te convidam para jantar fora e você prefere ir ao cabeleireiro em vez de ir ao mercado? E não é que irromperam casa adentro os dois amigos e os gêmeos, com vinhos... (Com certeza para acompanhar o trivial de uma casa brasileira, mas que comida, gemia eu?) Mais tarde, ia ouvindo que estavam viajando, experimentando receitas, guiados por seus dois anfitriões. O livro saiu recentemente, achei na Livraria Cultura.
A introdução é do chef Santi Santamaría, dono do restaurante onde um deles trabalhou, e o texto é excelente, vários pontos acima dos textos de livros de comida que geralmente lemos.
Começa com a noção do duplo -destes gêmeos catalães em especial. E vai fazendo círculos com o conceito de duplicidade. A duplicidade da Catalunha, mar e montanha; da Espanha e do Brasil, São Paulo e Barcelona, o mar e a montanha brasileiros, o mar e a montanha espanhóis. E essas duplicidades todas se imbricam, se duplicam, Alice no País dos Espelhos.
Outro motivo de reflexão é a viagem, o que é a viagem e o que causa aos viajantes. Aqueles meninos determinados, depois de trabalharem desde pequenos em grandes restaurantes de sua terra, viajam para o Brasil. Aprendem o pequi, o barreado, a farofa, a cachaça, o Ver-o-Peso, Bahia, Rio de Janeiro e Minas com seus leitões pururucas, jilós e quiabos. A Liberdade e a pizza. Muitas vezes, perdidos na tradução, com o ingrediente na mão, sem nome, ou com o nome na ponta da língua e sem o ingrediente.
E os gêmeos Torres, boca cheia de farofa, cruzaram ares e mares até que chegou o dia de misturar idéias, fazer gêmeas as comidas catalã e brasileira. Assunto que levaram a sério. "Um exemplo pitoresco disto, da ligação da comida e da identidade nacional, e que é muito mais notável ali na Catalunha do que em qualquer outra parte, é que a ditadura franquista proibiu como manifestação política uma coisa tão simples como o pão com tomate. Será que existe outro lugar no mundo em que a comida é sinônimo de uma tomada de posição diante de uma ditadura?"
Eu só li o livro, não experimentei as receitas. Se é boa a idéia, vamos dar uma olhada e fazer uma coisa semelhante. E as idéias confesso que eram boas. Vejam só. Bolinhos de moqueca de badejo. Jilós fritos inteiros, com casca, a polpa retirada, temperada, colocada dentro de novo, sobre uma cama de catupiry. E o pastel de feijoada. Barreado de pato.
O gosto do pato ali condensado na panela hermeticamente fechada, se derretendo, não perdendo nada do sabor, e servido com laranjinhas miúdas e de gosto forte. Tambaqui com banana e purê de pequi. Rabada com coco verde. Purê de inhame com camarões.
E last, but not least, as receitas originais dos irmãos Torres e as clássicas da Catalunha. As fotos das comidas são boas, as deles nem tanto. Achei que valeu a pena tanto saçarico desses gêmeos pelas terras brasileiras. Gostaram também das meninas. Até voltaram. Inauguram hoje o Eñe, no Jardim Paulistano...


ninahorta@uol.com.br

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