São Paulo, terça-feira, 22 de março de 2011

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Comédia escrachada repete clichês sexuais sobre o Brasil

Em "Rio Sex Comedy", estrangeiros encontram muita libidinagem e "louca realidade" no país

Recém-lançada em Paris, produção franco-brasileira tem no elenco Charlotte Rampling e Irène Jacob

LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS

Na segunda viagem ao Rio, o francês Jérôme P., ex-militante do Partido Comunista Francês, trouxe um Chanel nº 5 para a empregada da namorada.
Na primeira viagem, ela fizera pratos deliciosos para lhe agradar. O perfume preferido de Marilyn Monroe estava tão distante da realidade de Socorro quanto Marte está da Terra.
Mas Jérôme quis presentear a cozinheira com um "must" da perfumaria francesa. E chegou a convidá-la para sentar-se à mesa com ele e a namorada, constrangido por comer servido por uma doméstica.
A história é real e não está na comédia franco-brasileira "Rio Sex Comedy", recém-lançada em Paris, do cineasta Jonathan Nossiter, autor do bem-sucedido "Mondovino". Mas poderia.
O Brasil é visto com o olhar do estrangeiro que descobre o "way of life" do país tropical, suas extravagâncias e os abismos sociais.
O filme é uma comédia escrachada, cujos principais personagens são estrangeiros: o casal de protagonistas é francês, a personagem de Charlotte Rampling é uma inglesa. Além deles, há o embaixador dos EUA em crise existencial.
Todos vivem situações delirantes na cidade maravilhosa, às voltas com uma realidade urbana e social que parece muito louca aos olhos dos europeus.
O embaixador americano enviado ao Brasil acaba se escondendo numa favela, onde encontra uma bela jovem da comunidade que fala perfeitamente inglês.
O saneamento das favelas passa a ser uma preocupação do embaixador diletante.
O francês é escritor e sua mulher antropóloga realiza um documentário sobre a relação das empregadas domésticas com as classes privilegiadas. Além deles, há ainda um guia de turismo judeu especializado em visitas a favelas, além de índios perdidos na selva urbana.
Esse coquetel resulta numa comédia alucinada, com personagens que mergulham na loucura ambiente, com sexo por toda parte.
Nossiter usa as aventuras dos personagens para mostrar cartões postais do Rio, enfatizando os contrastes chocantes da cidade.
A proximidade, voluntária ou compulsória, das classes privilegiadas com a favela é uma das características da cidade que mais desconcertam os estrangeiros e que Nossiter consegue incorporar ao roteiro delirante, a ponto de o crítico do "Libération" ter definido o filme como "um objeto cinematográfico dificilmente identificável, a exemplo do seu título".

REVOLUÇÃO
No documentário sobre as empregadas, a antropóloga vivida por Irène Jacob faz perguntas que espelham a luta de classes que ela enxerga, apesar de haver entre os brasileiros uma visão idealizada dessa convivência.
E faz a todas a infalível pergunta sobre uma possível "revolução". Jacob acaba caindo nos braços do cunhado, e o marido, o ator Jérôme Kircher, cai no conto do travesti, um clichê quando se trata do Rio.
A cirurgiã plástica Charlotte Jones, vivida por Rampling, vem ao Brasil para se dedicar à cirurgia reparadora, encontrando na clínica social de Ivo Pitanguy uma razão para fugir de um casamento fracassado.
A médica não perde a oportunidade de tentar dissuadir as brasileiras da inglória luta contra a passagem do tempo. Nossiter critica de passagem a mania nacional de reconstrução do corpo.
Em sua estreia cinematográfica, Ivo Pitanguy vive Ivo Pitanguy e se mostra à altura da atriz inglesa quando contracena com Charlotte Rampling. Pitanguy poderia ter feito carreira no cinema em vez de ter-se dedicado a remodelar rostos de estrelas.
As críticas na França, no geral, foram negativas.
"A arte complexa de cultivar o natural" era o título da crítica do "Monde". O diário francês viu no filme o ritmo de "uma comédia popular brasileira que tenta misturar documentário e ficção e opta pelo burlesco e pelo politicamente incorreto". Mas conclui que ele "tem dificuldade em convencer".
"Le Nouvel Observateur" achou que o filme faz "oposições binárias, estéreis, que apenas forçam portas já abertas em uma comédia que pretende tocar o fundo, mas é apenas superficial".


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