São Paulo, sexta-feira, 22 de abril de 2005

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Canções de Antony habitam submundo de NY

KEVIN HARLEY
DO "INDEPENDENT"

Na música pop, alardear influências pode ser uma decisão traiçoeira. Quem fica à sombra dos heróis corre o risco de ser considerado como cantor de terceira linha. Não é esse o caso quando o assunto é Antony, voz que lidera Antony and the Johnsons. O single da banda "Hope There's Someone" chega neste mês às lojas dos EUA.
De fato, quando Antony fala de sua admiração por Donny Hathaway, um cantor de soul dos anos 70, as palavras que emprega poderiam ser usadas para descrever sua própria música. "Estou tão obcecado com Donny Hathaway", diz Antony. "O trabalho dele é dolorido, mas cheio de esperança. Há algo de quase espiritual nele, um traço semelhante à fé. É uma música sofisticada, com músicos bem treinados, mas ainda assim cheia de soul. E sua voz tem alguma coisa que atinge o sistema nervoso. Não pára de doer, mas de maneira controlada."
O mesmo se aplica a Antony. E, como prova, ele vem mostrando seu valor nos últimos anos. Em 2003, era um dos vocalistas de apoio de Lou Reed e assumia o vocal para uma versão de "Candy Says", do Velvet Underground, no bis. No segundo disco de Antony, lançado recentemente, "I Am a Bird Now" -um conjunto de canções soul de câmara e baladas que mostra anseios românticos ladeados por luxo e sedução diferentes de qualquer coisa que o pop tenha a oferecer no momento-, Reed retribui o favor e canta em "Fistful of Love", uma canção abertamente masoquista.
Os demais convidados cujas vozes colorem o álbum incluem Boy George, Rufus Wainwright e o cantor folk místico Devendra Banhart -uma lista que posiciona Antony como parte de uma linhagem de cantores e compositores gays com vozes idiossincráticas.
A canção de abertura, "Hope There's Someone" (uma prece na linha "espero que haja alguém para tomar conta de mim quando eu morrer"), sugere um núcleo de anseio doloroso, ancorado em meditações sobre a mortalidade, tema retomado em "What Can I Do?" (como se ele estivesse dizendo "o que posso fazer se esse pássaro tem de morrer?").
Em suas demais faixas, o álbum se desenvolve com temas como as transformações que todos esperamos, em linhas existenciais, espirituais e que transcendem os sexos: de menino para mulher (de "For Today I Am a Boy" a "My Lady Story" e "You Are My Sister"), de vida para morte ("Free at Last") e em direção a uma espécie de renascimento na lacrimosa "Bird Gerhl", que fecha o disco.
Igreja, sexualidade, morte, transformação, interpretação e transexualismo são partes essenciais do amadurecimento artístico de Antony. Seus anos de infância no Reino Unido envolveram estudo em uma escola católica, onde todo mundo cantava na igreja. "Você participava do coral, ninguém tinha vergonha disso", diz, quando questionado de que maneira desenvolveu sua voz angelical. E a natureza da influência da igreja sobre seu trabalho? "Creio que influenciou a maneira pela qual me apresento."
A influência de Boy George e do Soft Cell só podia intensificar esse interesse natural pelo palco. Antony se mudou para a Califórnia com os pais aos dez anos, em 1981, mas a música pop britânica continuou lhe fazendo companhia em fitas enviadas por seu tio.
"Ouvíamos música ferozmente -queríamos ouvir tudo o que estava nas paradas inglesas. Em um Natal, meu pai comprou os 20 singles líderes das paradas, em vinil, entre os quais "Prince Charming", de Adam Ant, e uma cover de "It's My Party". Também tínhamos discos de Orchestral Manoeuvres in the Dark, Laurie Anderson, Boy George e Marc Almond."
A inspiração de Almond, do Soft Cell, levou Antony a se interessar pelo trabalho de músicos como Klaus Nomi, um cantor cult de Nova York. "Eu não sabia, mas estava a caminho de Nova York desde mais ou menos meus 12 anos", conta Antony, "desde que li a primeira entrevista com o Soft Cell, em que ele falava do submundo de Nova York dos anos 80. Mais tarde, na universidade, eu fazia muita arte performática, e os professores diziam que eu deveria ir para lá, alegando que era o destino de pessoas como eu. Era como se me mandassem para a ilha dos leprosos. Eu era jovem e estava começando a me interessar pela relação entre vanguarda artística e os travestis. Nova York era mesmo meu lugar".
A música de Antony está imbuída, pelo menos em parte, do sentimento de reflexão sobre as mortes prematuras na comunidade em que ele vive. "Acredito que meu trabalho reflita essa sensação porque eu amadureci naquele panorama da Aids", diz Antony. "Era um período triste em Nova York. Muitos homens de seus 30 e 40 anos morrendo, pessoas que poderiam ter sido meus mentores, aos 19 anos, gente como Jack Smith e Charles Ludlum", diz.
Foi nesse período que Antony co-fundou o grupo performático Blacklips. Alguns frutos do período podem ser encontrados em trabalhos anteriores de Antony, como uma cover da canção "Mysteries of Love", de Julee Cruise, da trilha de "Blue Velvet".


Tradução Paulo Migliacci

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