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Canções de Antony habitam submundo de NY
KEVIN HARLEY
DO "INDEPENDENT"
Na música pop, alardear influências pode ser uma decisão
traiçoeira. Quem fica à sombra
dos heróis corre o risco de ser
considerado como cantor de terceira linha. Não é esse o caso
quando o assunto é Antony, voz
que lidera Antony and the Johnsons. O single da banda "Hope
There's Someone" chega neste
mês às lojas dos EUA.
De fato, quando Antony fala de
sua admiração por Donny Hathaway, um cantor de soul dos anos
70, as palavras que emprega poderiam ser usadas para descrever
sua própria música. "Estou tão
obcecado com Donny Hathaway", diz Antony. "O trabalho dele é dolorido, mas cheio de esperança. Há algo de quase espiritual
nele, um traço semelhante à fé. É
uma música sofisticada, com músicos bem treinados, mas ainda
assim cheia de soul. E sua voz tem
alguma coisa que atinge o sistema
nervoso. Não pára de doer, mas
de maneira controlada."
O mesmo se aplica a Antony. E,
como prova, ele vem mostrando
seu valor nos últimos anos. Em
2003, era um dos vocalistas de
apoio de Lou Reed e assumia o
vocal para uma versão de "Candy
Says", do Velvet Underground,
no bis. No segundo disco de Antony, lançado recentemente, "I
Am a Bird Now" -um conjunto
de canções soul de câmara e baladas que mostra anseios românticos ladeados por luxo e sedução
diferentes de qualquer coisa que o
pop tenha a oferecer no momento-, Reed retribui o favor e canta
em "Fistful of Love", uma canção
abertamente masoquista.
Os demais convidados cujas vozes colorem o álbum incluem Boy
George, Rufus Wainwright e o
cantor folk místico Devendra Banhart -uma lista que posiciona
Antony como parte de uma linhagem de cantores e compositores
gays com vozes idiossincráticas.
A canção de abertura, "Hope
There's Someone" (uma prece na
linha "espero que haja alguém para tomar conta de mim quando eu
morrer"), sugere um núcleo de
anseio doloroso, ancorado em
meditações sobre a mortalidade,
tema retomado em "What Can I
Do?" (como se ele estivesse dizendo "o que posso fazer se esse pássaro tem de morrer?").
Em suas demais faixas, o álbum
se desenvolve com temas como as
transformações que todos esperamos, em linhas existenciais, espirituais e que transcendem os sexos: de menino para mulher (de
"For Today I Am a Boy" a "My
Lady Story" e "You Are My Sister"), de vida para morte ("Free at
Last") e em direção a uma espécie
de renascimento na lacrimosa
"Bird Gerhl", que fecha o disco.
Igreja, sexualidade, morte,
transformação, interpretação e
transexualismo são partes essenciais do amadurecimento artístico de Antony. Seus anos de infância no Reino Unido envolveram
estudo em uma escola católica,
onde todo mundo cantava na
igreja. "Você participava do coral,
ninguém tinha vergonha disso",
diz, quando questionado de que
maneira desenvolveu sua voz angelical. E a natureza da influência
da igreja sobre seu trabalho?
"Creio que influenciou a maneira
pela qual me apresento."
A influência de Boy George e do
Soft Cell só podia intensificar esse
interesse natural pelo palco. Antony se mudou para a Califórnia
com os pais aos dez anos, em 1981,
mas a música pop britânica continuou lhe fazendo companhia em
fitas enviadas por seu tio.
"Ouvíamos música ferozmente
-queríamos ouvir tudo o que estava nas paradas inglesas. Em um
Natal, meu pai comprou os 20 singles líderes das paradas, em vinil,
entre os quais "Prince Charming",
de Adam Ant, e uma cover de "It's
My Party". Também tínhamos
discos de Orchestral Manoeuvres
in the Dark, Laurie Anderson,
Boy George e Marc Almond."
A inspiração de Almond, do
Soft Cell, levou Antony a se interessar pelo trabalho de músicos
como Klaus Nomi, um cantor cult
de Nova York. "Eu não sabia, mas
estava a caminho de Nova York
desde mais ou menos meus 12
anos", conta Antony, "desde que
li a primeira entrevista com o Soft
Cell, em que ele falava do submundo de Nova York dos anos
80. Mais tarde, na universidade,
eu fazia muita arte performática, e
os professores diziam que eu deveria ir para lá, alegando que era o
destino de pessoas como eu. Era
como se me mandassem para a
ilha dos leprosos. Eu era jovem e
estava começando a me interessar
pela relação entre vanguarda artística e os travestis. Nova York
era mesmo meu lugar".
A música de Antony está imbuída, pelo menos em parte, do sentimento de reflexão sobre as mortes
prematuras na comunidade em
que ele vive. "Acredito que meu
trabalho reflita essa sensação porque eu amadureci naquele panorama da Aids", diz Antony. "Era
um período triste em Nova York.
Muitos homens de seus 30 e 40
anos morrendo, pessoas que poderiam ter sido meus mentores,
aos 19 anos, gente como Jack
Smith e Charles Ludlum", diz.
Foi nesse período que Antony
co-fundou o grupo performático
Blacklips. Alguns frutos do período podem ser encontrados em
trabalhos anteriores de Antony,
como uma cover da canção
"Mysteries of Love", de Julee
Cruise, da trilha de "Blue Velvet".
Tradução Paulo Migliacci
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