|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica
Mitologia americana e amargor conduzem 1ª fase de Wenders
Chegam às lojas quatro filmes da fase inicial do importante diretor alemão
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
A obra do diretor alemão
Wim Wenders, cultuada nos anos 80 e aparentemente sem rumo desde os
90, foi gestada muito tempo antes. No fim da década de 60, sob
o impacto liberador da nouvelle vague francesa, uma série de
cinemas novos surgiu em vários países, entre os quais o
Brasil. Na Alemanha, um grupo
de jovens lançou, em 1962, o
Manifesto de Oberhausen, propondo uma produção ousada e
conectada com o presente.
Desse ideário coletivo emergirá um conjunto de nomes que
se tornarão conhecidos internacionalmente, entre os quais
Werner Herzog, Rainer Werner Fassbinder e o próprio
Wenders, a trinca de ouro do
jovem cinema alemão.
O lançamento, em DVD, de
quatro títulos da primeira fase
da filmografia de Wenders ajuda a entender a gênese de seu
cinema. São longas que antecipam a celebração do diretor
que ocorreu com "Paris, Texas", de 1984, e "Asas do Desejo", de 1987 (outro título que a
Europa põe em breve nas lojas).
Na ordem cronológica, o primeiro título é "A Letra Escarlate", de 1973, seu terceiro longa.
Adaptado do clássico romance
de Nathaniel Hawthorne, o filme narra a perseguição a uma
suposta adúltera na América
puritana do século 18. O que há
de interessante é o modo como
esse trabalho já revela o interesse do diretor pelos EUA, que
se tornará obsessão ao longo de
toda a sua obra.
Trata-se já aqui de uma imagem da América vista com
olhos europeus, uma mistura
de fascínio e repulsa em que a
rigidez moral não consegue
conter as forças destrutivas de
um amor proibido. Mesmo que
não pareça estar tão à vontade
nesse território quanto em seus
road-movies posteriores, "A
Letra Escarlate" guarda o encanto da projeção de um país e
de seus ideais na mente do artista, um fantasma que absorverá todo o Wenders seguinte.
Já em "Movimento em Falso", uma adaptação de "Os
Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister", de Goethe,
com roteiro de Peter Handke, o
diretor constitui um espaço e
uma idéia particulares.
Sob nítida influência do cinema de Antonioni, Wenders parte em busca dos dilemas do sujeito contemporâneo, àquela
altura dos anos 70 já corroído
pelo esvaziamento dos ideais,
afastando-se do compromentimento nas relações e fascinado
pela perda. Para representar
esses temas, o diretor lança os
personagens numa deriva, um
movimento rumo a lugar nenhum, cujo significado encontra-se justo na ausência.
A mesma situação, enriquecida pela nostalgia do cinema
como arte em destruição, é o
que Wenders enfoca em "No
Decurso do Tempo", versão desiludida de "Sem Destino", em
que a estrada é a metáfora mais
clara da vida, em que os encontros se tornam cada vez mais
fortuitos ou dilacerantes, em
que os traumas se constituem
no único resíduo da existência.
Um filme amargo e soberbo.
No cinema de Wenders dessa
fase, mover-se ou ficar parado
conduz ao mesmo beco sem
saída. É o que ele demonstra
em outra obra-prima, "O Estado das Coisas", filme em que o
significado do fazer cinema é
examinado em minúcias.
Enquanto aguarda a chegada
de um financiamento, uma
equipe fica em um hotel à beira-mar em Portugal. Nesse estado de espera, Wenders alcança uma das mais rigorosas reflexões sobre sua arte, presa entre a busca da expressão e a lógica do mercado. O cinema se
olha no espelho e o que enxerga
não passa de ruínas de um tempo perdido, de uma ilusão sem
futuro. Tudo o que veio depois
já estava escrito ali.
Texto Anterior: "Cocoricó" é exportado, e emissora faz acordo para vender produtos do Pingu Próximo Texto: Os novos DVDs de Wenders Índice
|