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Cresce procura por lutas na TV paga
Entre 2002 e 2007, Premiere Combate, com grade focada em artes marciais, passou de 3,5 mil para 15 mil assinantes
Diretor diz que emissora "pay-per-view" segue linha educativa; assinantes vêem desinfomação e preconceito em associação à violência
LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Parece que já tem um sangramento na cabeça [...]", observa o locutor do UFC (Ultimate Fighting Championship).
"Belas cotoveladas, estilo Tito Ortiz", reage o comentarista.
Pano rápido.
"Ele desmaiou no Octagon...
fim de luta", conclui o locutor.
Não estranhe: a TV está sintonizada no Premiere Combate, canal "pay-per-view" (oferecido por Net e Sky) com programação 100% dedicada a lutas.
Carro-chefe da grade, o UFC é,
ao lado do K-1 Hero's, uma das
principais competições internacionais de vale-tudo (ou "mixed martial arts", artes marciais mistas, como preferem
praticantes e técnicos; não confundir com a troca de sopapos
burlesca do antigo telecatch).
Na esteira do bom desempenho de brasileiros nesses torneios (o país tem campeões em
ambos), as assinaturas mensais
do Combate crescem em ritmo
constante desde a sua criação,
em 2002. Naquele ano, segundo o canal, 3.531 assistiam à
programação. Em 2007, a base
de assinantes chegou aos 15
mil; o projeto é chegar a 20 mil
até dezembro.
Dado que a combinação de
boxe, jiu-jitsu, muay thai (boxe
tailandês) e wrestling (luta livre) se traduz, na tela, em uma
sucessão de chutes, socos, pisões, chaves-de-braço e joelhadas, não parece estranho que,
cá e lá, sugira-se que a ascensão
da modalidade reflete o acirramento da violência na sociedade. O diretor dos canais Premium da Globosat, Elton Simões, rechaça esse paralelo.
"[O crescimento] não tem a ver
com nenhum fenômeno sociológico. Tem a ver com o prestígio das artes marciais."
Segundo Simões, o Combate
aborda as lutas sob um "ponto
de vista educacional". "Os lutadores falam para as crianças
não lutarem na rua [...] noticiamos o envolvimento deles com
projetos sociais de recuperação
do jovem. Trabalhamos com
ênfase no comportamento, não
na violência", diz.
O melhor do ser humano
No site de relacionamentos
Orkut, a reportagem indagou
internautas filiados a comunidades de vale-tudo sobre a comum associação do esporte à
violência além-ringue. O sentimento geral é de que isso ocorre por desinformação e preconceito, já que as lutas se caracterizam pela "supremacia da técnica" e põem à prova "o melhor
do ser humano, sua resistência,
força, agilidade, precisão e muita consciência". "Violência são
assaltos, invasões à favela,
guerra de facções...", diz Ana
Carolina Assumpção, do Rio.
Assim também pensa o advogado paranaense Sandro Bandeira, 32, que assina o canal há
um ano e costuma assistir às
transmissões ao lado do pai, de
63 anos. "[As lutas] são conversa mole perto da violência que
de fato existe. Vide o tiroteio na
universidade americana [em
Blacksburg, Virgínia, onde
morreram 33 pessoas na segunda-feira]."
Bandeira, que se diz atraído
pela faceta de espetáculo ("fogos, luzes, efeitos especiais...") e
pela imprevisibilidade dos duelos, compara os ringues a um
"coliseu moderno, com regras".
"Como na Antigüidade, há heróis, lutadores que começam
perdendo e viram o jogo. Presumo também que muitos esqueçam de tudo enquanto assistem
aos eventos e mentalizem seus
sucessos e fracassos nos atores
do espetáculo", filosofa Bandeira, que treina jiu-jitsu.
Para a professora carioca
Elaine Nascimento, 29, que
compra pacotes específicos de
alguns torneios (outra opção do
"pay-per-view") e vê as lutas
com o noivo, "quem curte quer
saber até que ponto vai a potência do atleta, já que não podemos viver isso". Fã de Rodrigo
"Minotauro" Nogueira e Wanderlei Silva, o casal recorre ao
site de vídeos YouTube para assistir a "clássicos" do passado.
E se o companheiro, o analista
financeiro e lutador amador de
jiu-jitsu Mariano Rosa, decidisse tentar a sorte do outro lado
da tela? "Ficaria felicíssima,
acho lindo", diz Elaine.
Em Porto Alegre, a microempresária Letícia Bittencourt,
30, pode se gabar de seguir a
programação do Combate 24
horas por dia: ela tem duas assinaturas -uma em casa e outra
na loja de tatuagens que administra. "Sou fissurada em luta",
explica. Antes de reclamar do
excesso de reprises, ela compara sua atividade ao que vê como
mudança de perspectiva sobre
o vale-tudo. "Como na tatuagem, os rótulos estão mudando.
Os lutadores agora são vistos
como profissionais."
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