São Paulo, terça-feira, 22 de abril de 2008

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JOÃO PEREIRA COUTINHO

O idiota útil


Os idiotas úteis continuam entre nós; um dos exemplos é Jimmy Carter

COMO SOBREVIVEM as ditaduras? Sim, uma máquina repressiva é importante. E alguma propaganda para consumo doméstico costuma ajudar. Mas nenhuma ditadura sobrevive sem uma certa complacência internacional, normalmente promovida por "intelectuais" ou "jornalistas" que negam a realidade.
Foi Lênin quem, alegadamente, teria percebido a importância dos "idiotas úteis" para a sobrevivência da União Soviética. Para esse gênio da estratégia revolucionária, os "idiotas úteis" eram todos aqueles que, depois de conhecerem in loco a violência e a desumanidade do comunismo, regressavam para os respetivos países e continuavam a defender o indefensável. Por estupidez, ignorância ou má-fé. Os idiotas úteis continuam entre nós.
Um dos últimos exemplos é Jimmy Carter, provavelmente o pior presidente americano de todo o século 20. Segundo sei, Carter regressa ao ataque em Damasco, na Síria, para "conversações" com o líder do Hamas. Ponto prévio: o Hamas é reconhecido como organização terrorista, não apenas por Israel ou pelos Estados Unidos, mas pela esmagadora maioria da comunidade internacional, União Européia inclusa.
Mas não na cabeça infantil de Carter. Para ele, uma organização terrorista que nega a existência de Israel e aposta, incondicionalmente, na destruição da "entidade sionista", talvez esteja disposta a negar a sua natureza. Carter deseja que o Hamas não seja o Hamas.
Essa espécie de raciocínio é típica do personagem. James Earl Carter, Jr., nascido na Geórgia em 1924, chegou à Casa Branca em circunstâncias atípicas. Basta olhar para os antecessores. Lyndon Johnson era a memória do Vietnã. Richard Nixon partira em desgraça, depois de Watergate. A figura beata de Carter era tudo aquilo que a América precisava. E derrotar Gerald Ford era o menor dos problemas: em debate televisivo, Ford cometeu suicídio ao vivo ao duvidar que o Leste da Europa fosse dominado por Moscou. Carter riu alto.
Foi o fim de Ford e o início de Carter. Mas um início que durou apenas um mandato. Não só porque a economia doméstica, com inflação e desemprego galopantes, mostravam aos americanos a incompetência do presidente. Mas porque, em política externa, Carter revelava a ingenuidade que o define até hoje.
A invasão soviética do Afeganistão, por exemplo, seria impensável se o Kremlin não tivesse percebido a tibieza da administração americana.
Mas o pior estaria para vir: em 1979, "estudantes" iranianos tomavam de assalto a embaixada americana em Teerã, um ato de gravidade extrema que durou 444 dias. A incapacidade de Carter para lidar com a agressão explica-se, uma vez mais, pelo seu idealismo criminoso: para Carter, talvez Khomeini, uma espécie de "Gandhi iraniano", fosse parceiro possível para conversações de paz.
A farsa só terminou quando Reagan era o senhor que se seguia na cadeira presidencial. Carter partia com uma América de rastos, econômica e estrategicamente falando. A paz firmada entre Israel e o Egito em 1978 foi o único milagre do seu governo. Não por mérito de Carter. Mas pela nobreza de Menachem Begin e Anwar Sadat. Pelo gesto de reconhecer a "entidade sionista", Sadat pagaria com a própria vida.
E depois da Presidência? Depois, Carter continua a evangelizar o mundo, alimentando a sua megalomania. Um dos exemplos mais eloqüentes foi a amizade com Arafat, que culminou no livro "Palestine: Peace Not Apartheid". O livro foi escrito em 2006, ou seja, depois de Arafat ter recusado os acordos de Camp David seis anos antes. Em 2000, o israelense Barak estava disposto a tudo: a devolver os "territórios ocupados", a compartilhar Jerusalém e a reconhecer um Estado palestino independente.
Arafat enterrou a oferta ao exigir o regresso dos "refugiados" palestinos, não à Palestina, mas a Israel. No fundo, Arafat não desejava dois Estados para dois povos. Arafat desejava dois Estados para um único povo. Desejava o fim de Israel pela força da demografia. A atitude de Arafat, que horrorizou até os seus próprios parceiros árabes, só não horrorizou Carter.
Um aspecto, porém, merece ser salvo na biografia do homem: Jimmy Carter foi o único presidente americano a preencher um formulário da força aérea, como é da praxe, para relatar o avistamento de um óvni.
Não riam, leitores. Acreditar em extraterrestres é o lado mais simpático e inofensivo de Carter.


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