São Paulo, quarta-feira, 22 de abril de 2009

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comentário

Compositor conciso disseca gente comum

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

Especialista em cobras e lagartos, Paulo Vanzolini também se especializou na fauna da noite paulistana, pessoas de "perdida felicidade", que andam "pela neblina envolvidas". Com precisão de cientista, mas olhos de poeta, dissecou essa gente como nenhum compositor.
Projetos como o documentário "Um Homem de Moral" e a caixa de quatro CDs "Acerto de Contas", de 2003, servem, antes de tudo, para assinalar que a galeria de personagens de Vanzolini vai muito além dos que estão em "Ronda" e "Volta por Cima", seus grandes sucessos.
Há o José, que "morreu de saudade/ Dia 15 que passou" ("José"). Há o homem que, insatisfeito com um casamento "na base do mais ou menos", se queixa: "Mulher que não dá samba eu não quero mais" ("Mulher que Não Dá Samba").
E muitas outras histórias de gente comum já foram contadas por Vanzolini. Predomina o tom menor das melodias, e nas letras sobressai uma combinação de doçura e amargura, como se os personagens não merecessem julgamento de homens de moral, apenas um olhar que exponha suas fraquezas e sua graça. E daí eles surgem únicos, não mais anônimos.
Como apontou Antonio Candido no encarte de "Acerto de Contas", Vanzolini sempre foi notório, entre os que o conhecem, por sua loquacidade, pelo prazer de conversar. Mas, na hora de compor, é geralmente conciso, monta suas tramas com poucos traços.
Um bom exemplo é "Cravo Branco", uma historinha em 19 versos, mas com cores fortes e sugestões várias de subtramas: um homem sai de casa satisfeito, mas morre com um tiro no peito por causa do ciúme que um cravo branco, dado pela amada, despertou em outro homem.
"Praça Clóvis" -que Chico Buarque gravou em 1967, em "Onze Sambas e Uma Capoeira"- é outro samba-conto com humor e um toque amargo, relato de um rapaz cuja carteira foi batida, e nela estavam 25 cruzeiros e o retrato da ex-amada. Considerando que o olhar dela o "maltratava e perseguia", ele conclui que saiu "de graça" perder aquele dinheiro.
Seus aparentes paradoxos, de cientista boêmio, herpetólogo compositor, loquaz conciso, fazem de Vanzolini um figura especial. Mas ele nunca gostou de aparecer muito, preferindo o posto de observador. Sem grande voz para cantar e sem a vocação dramática de Adoniran Barbosa, Vanzolini ficou mais nas sombras, olhando dali São Paulo e o mundo.
Talvez isso até ajude a explicar sua rejeição a "Ronda", cantada a não mais poder e que ele não considera uma grande composição. Embora seja compreensível a sua posição, vale discordar. A estrutura melódica simples sustenta uma ótima história, passada em meio à fauna da noite paulistana, o melhor campo de estudos desse preciso compositor diletante.


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