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Crítica/erudito
Projeto Camargo Guarnieri traz gravações históricas
Caixa com DVD e CD-ROM ajuda a redescobrir um dos maiores músicos do país
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Triste, estranha sina de
Camargo Guarnieri
(1907-93). Bem ao contrário de seu contemporâneo
Villa-Lobos, que cultivava um
senso afinadíssimo de oportunidade, o compositor paulista
parece ter passado não só a vida, mas até a posteridade tendo
de se esforçar para não ser mal
compreendido. O lançamento
dessa caixa -projeto coordenado por Francisco Coelho (curador de música do Centro Cultural São Paulo), com DVD e CD-ROM reunindo gravações ao vivo de três peças para violino e
orquestra, outras gravações
históricas, partituras, textos,
entrevista, materiais de arquivo e um documentário- pode
ajudar a desfazer o mal-entendido e/ou a má vontade de
quem ainda não descobriu um
de nossos maiores músicos.
O DVD traz a gravação ao vivo dos dois "Concertos" para
violino e orquestra (o primeiro
de 1940; o outro, de 1953), mais
o "Choro" (de 1951), todos a
cargo do jovem violinista Luiz
Filipe, radicado há anos na Alemanha. Que um músico desses
não seja mais conhecido no
país simplesmente não faz sentido. Acompanhado pela Sinfônica Municipal, regida por Lutero Rodrigues -responsável
pelo trabalho de recuperação e
preparação das partituras-,
Luiz Filipe toca as três virtuosísticas peças com intensidade
e segurança, um artista natural
que encontrou sua música.
Mário de Andrade
Que o "Concerto n. 1" não
fosse ouvido há quase 60 anos é
realmente absurdo; mas faz
parte do esdrúxulo sentido da
carreira do compositor. Reconhecido como mestre, em alguma medida Camargo Guarnieri
sofreu por isso mesmo: nas décadas que deviam ser suas, caiu
da escada da história. Um de
nossos compositores mais impressionantes, ao adotar a bandeira marioandradina da brasilidade acabou sendo visto como
conservador, passadista. Ficou
rapidamente ultrapassado,
sem chegar a ter passado. Só
agora, quem sabe, com as gravações e interpretações da
Osesp e projetos como esse, a
força de sua música começa a
abrir espaço para outro grau de
reconhecimento.
Falando em Mário de Andrade, o CD-ROM inclui nada menos do que a gravação de campo
de 220 melodias, coletadas durante a famosa Missão de Pesquisas Folclóricas de 1938 (iniciativa de Mário à frente do Departamento de Cultura), e a
transcrição em partitura das
mesmas, trabalho que ocupou
Camargo Guarnieri ao longo de
dez anos. São aboios, caboclinhos, tambores-de-mina que
soam de novo agora, com as vozes tão vivas de quem não está
mais aqui. Vozes do Brasil profundo, modelo e medula para
toda a música do compositor.
Há uma forma de justiça em
ver a música de Guarnieri voltando à luz do dia pelas mãos de
um músico tão jovem (destacando-se à frente de uma equipe de mais de 130 pessoas envolvidas no projeto). Ao que tudo indica, 15 anos depois da
morte do autor, ela vai achando
jeitos de sair da história, para
entrar na vida de todos nós, que
afinal aprendemos a ouvir.
CAMARGO GUARNIERI: TRÊS
CONCERTOS PARA VIOLINO E A MISSÃO
Artistas: Orquestra Sinfônica Municipal/ Luiz Filipe/ Lutero Rodrigues
Lançamento: hoje, às 20h30, no
CCSP (r. Vergueiro, 1000, tel.: 0/
xx/11/ 3383-3402; livre, grátis),
com recital do violinista Luiz Filipe e
o pianista Paulo Gori
Quanto: R$ 30 (DVD + CD-ROM)
Avaliação: bom
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