São Paulo, quarta-feira, 22 de abril de 2009

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Crítica/erudito

Projeto Camargo Guarnieri traz gravações históricas

Caixa com DVD e CD-ROM ajuda a redescobrir um dos maiores músicos do país

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Triste, estranha sina de Camargo Guarnieri (1907-93). Bem ao contrário de seu contemporâneo Villa-Lobos, que cultivava um senso afinadíssimo de oportunidade, o compositor paulista parece ter passado não só a vida, mas até a posteridade tendo de se esforçar para não ser mal compreendido. O lançamento dessa caixa -projeto coordenado por Francisco Coelho (curador de música do Centro Cultural São Paulo), com DVD e CD-ROM reunindo gravações ao vivo de três peças para violino e orquestra, outras gravações históricas, partituras, textos, entrevista, materiais de arquivo e um documentário- pode ajudar a desfazer o mal-entendido e/ou a má vontade de quem ainda não descobriu um de nossos maiores músicos.
O DVD traz a gravação ao vivo dos dois "Concertos" para violino e orquestra (o primeiro de 1940; o outro, de 1953), mais o "Choro" (de 1951), todos a cargo do jovem violinista Luiz Filipe, radicado há anos na Alemanha. Que um músico desses não seja mais conhecido no país simplesmente não faz sentido. Acompanhado pela Sinfônica Municipal, regida por Lutero Rodrigues -responsável pelo trabalho de recuperação e preparação das partituras-, Luiz Filipe toca as três virtuosísticas peças com intensidade e segurança, um artista natural que encontrou sua música.

Mário de Andrade
Que o "Concerto n. 1" não fosse ouvido há quase 60 anos é realmente absurdo; mas faz parte do esdrúxulo sentido da carreira do compositor. Reconhecido como mestre, em alguma medida Camargo Guarnieri sofreu por isso mesmo: nas décadas que deviam ser suas, caiu da escada da história. Um de nossos compositores mais impressionantes, ao adotar a bandeira marioandradina da brasilidade acabou sendo visto como conservador, passadista. Ficou rapidamente ultrapassado, sem chegar a ter passado. Só agora, quem sabe, com as gravações e interpretações da Osesp e projetos como esse, a força de sua música começa a abrir espaço para outro grau de reconhecimento.
Falando em Mário de Andrade, o CD-ROM inclui nada menos do que a gravação de campo de 220 melodias, coletadas durante a famosa Missão de Pesquisas Folclóricas de 1938 (iniciativa de Mário à frente do Departamento de Cultura), e a transcrição em partitura das mesmas, trabalho que ocupou Camargo Guarnieri ao longo de dez anos. São aboios, caboclinhos, tambores-de-mina que soam de novo agora, com as vozes tão vivas de quem não está mais aqui. Vozes do Brasil profundo, modelo e medula para toda a música do compositor.
Há uma forma de justiça em ver a música de Guarnieri voltando à luz do dia pelas mãos de um músico tão jovem (destacando-se à frente de uma equipe de mais de 130 pessoas envolvidas no projeto). Ao que tudo indica, 15 anos depois da morte do autor, ela vai achando jeitos de sair da história, para entrar na vida de todos nós, que afinal aprendemos a ouvir.


CAMARGO GUARNIERI: TRÊS CONCERTOS PARA VIOLINO E A MISSÃO
Artistas: Orquestra Sinfônica Municipal/ Luiz Filipe/ Lutero Rodrigues
Lançamento: hoje, às 20h30, no CCSP (r. Vergueiro, 1000, tel.: 0/ xx/11/ 3383-3402; livre, grátis), com recital do violinista Luiz Filipe e o pianista Paulo Gori
Quanto: R$ 30 (DVD + CD-ROM)
Avaliação: bom




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