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COMIDA
pérolas aos porcos
Selvagens, os suínos pretos ibéricos têm alimentação natural que lhes dão aroma e sabor; o presunto cru matura por três anos
LUIZA FECAROTTA
ENVIADA ESPECIAL À ESPANHA
No século 16, Michelangelo
pintava o teto da Capela Sistina
e lá ficou registrada a imagem
de uma "bellota" (bolota, em
português). Bolotas são os frutos das azinheiras, que se assemelham às castanhas. Quando
ficam maduras e caem no solo,
tornam-se o principal alimento
dos selvagens porcos pretos
ibéricos, que chegam a consumir a doce polpa de até 60 unidades por dia nos últimos dois
meses de vida, quando pastam
livres -época batizada de
"montanheira". São os últimos
remanescentes, na Europa,
criados em liberdade, sem interferência humana, com alimentação natural, reforçada
com ervas aromáticas.
Juan María Arzak, chef da
vanguarda gastronômica espanhola, já dizia: o "jamón ibérico
de bellota" é um dos nossos
"partidões de ouro". É representação nobre de um dos sinais de identidade mais peculiares do nosso modo de comer
e sentir a tapa (receitas servidas em pequenas porções).
O tratamento que os porcos
recebem desde o nascimento é
o que lhes confere sabor, aroma
e textura especiais -e preços
também (no Brasil, uma peça
com cerca de 6 kg pode custar
R$ 4.000). Diferentemente dos
porcos brancos, domesticados
e criados em confinamento, os
pretos são alimentados com ração rica em gordura, antes de
serem soltos.
Segundo o professor Miguel
Ángel Aparicio Tovar, que se
dedica ao tema há 20 anos, os
porcos até passam um pouco de
fome para que fiquem estimulados a consumir mais durante
a fase da montanheira, época
em que engordam até 50% do
peso. Para cada animal, calcula-se uma área mínima de 17 mil
m2, com cerca de 60 azinheiras
de aproximadamente 60 anos
-idade em que estão no auge
produtivo. Assim, os porcos se
movimentam e fortalecem
seus músculos, o que resulta
em uma carne mais firme.
Mesmo com o exercício, o
gasto de energia é menor que a
ingestão de gordura. Características genéticas também permitem grande depósito de gordura -esta infiltra as fibras e
gera uma carne marmorizada,
suculenta e brilhante.
Quando alcançam peso aproximado de 150 kg, estão prontos para o abate. No frigorífico,
depois de separadas e limpas,
as patas ficam em contato com
sal marinho grosso. Finalizada
a salga, são lavadas e, em seguida, inicia-se o processo de maturação, que pode durar 36 meses, num movimento gradativo
de aumentar a temperatura e
diminuir a umidade.
Seu aspecto final pode assustar, pois as patas ficam pretas,
envoltas por uma camada de
mofo -mas é ela que protege o
presunto. Antes do consumo,
pode-se limpar a crosta com
azeite de oliva.
A arte da faca
Pepe Hiraldo Gallardo tem
57 anos e há 30 está envolvido
na arte de cortar presunto cru.
"Quanto mais fino, melhor. Você come e ele se funde na boca,
parece um caramelo", diz ele,
enquanto fatia o produto, no
Salón Gourmet, realizado na
semana passada em Madri.
Nos últimos anos, houve estímulo ao ofício de cortar presunto cru na Espanha. No
evento, foi promovido um concurso para eleger o mais hábil
"cortador de jamón". Os pedaços devem ser pequenos, para
que caibam inteiros na boca, e
translúcidos. Para isso: uma
boa faca, um bom amolador e
um bom... presunto ibérico.
Aliás, esqueça o termo "pata
negra", "é genérico e não deve
ser usado; há algumas raças de
porcos brancos que têm patas
negras", diz o doutor em veterinária Ramón Cava. Ele faz ainda uma análise breve sobre os
elementos que levam os preços
do presunto cru ibérico de bolota às alturas, inclusive na Espanha. "A produção é limitada.
Não tem como crescer, é uma
questão de aritmética." As azinheiras crescem somente na
Península Ibérica e no norte da
África, onde, por questões religiosas, não há porcos. Junta-se
a isso o longo processo para obter o produto final.
Raro no Brasil, pode ser encontrado em mercados como o
Santa Luzia, que passou a vendê-lo no fim do ano passado.
Segundo Josias Severino, do setor de frios, uma peça entre 6 e
7 kg chega a custar R$ 4.000
-e, como recebem poucos
exemplares, não é sempre que
está disponível. Já Luciano Almendary, da All Food, empresa
importadora de produtos finos,
deve habilitar, ainda neste ano,
um produtor de presunto ibérico de bolota. "Tem um valor
agregado muito alto e por isso
tem venda reduzida. Mas pretendo oferecer boa relação
custo-benefício."
A jornalista LUIZA FECAROTTA viajou a convite da Embaixada da Espanha em São Paulo
FOLHA ONLINE
Leia outros relatos da
viagem à Espanha em
www.folha.com.br/101109
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