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CANNES 2003
Provocativo em forma e conteúdo, "Dogville", do diretor dinamarquês, faz críticas aos EUA
A vingança de Lars von Trier
Divulgação
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Paul Bettany e Nicole Kidman estão em "Dogville", que inicia nova trilogia do cineasta |
PEDRO BUTCHER
ENVIADO ESPECIAL A CANNES
Mais uma vez, a passagem de
Lars von Trier, 47, pelo Festival de
Cannes despertou amor e fúria. A
exibição de "Dogville", na segunda, exaltou os ânimos de um
evento que estava morno.
Não sem razão. O novo Von
Trier, capítulo inicial de uma trilogia passada nos EUA e estrelada
por Nicole Kidman, é pura pólvora, provocativo na forma (filmado
em estúdio, sem cenários, com
duração de três horas) e no conteúdo (um ato de vingança).
Pelos quadros de cotações das
publicações de Cannes, o filme
poderá dar ao diretor dinamarquês sua segunda Palma de Ouro
depois de "Dançando no Escuro"
(2000). Mas este foi o filme que recebeu o mais violento ataque de
um crítico até agora: Todd
McCarthy, da revista "Variety",
acusou o cineasta de desferir um
"golpe nos valores americanos,
óbvio em suas intenções e obscuro como experimento artístico".
Folha - O senhor já leu a crítica da
"Variety"?
Lars von Trier - Não, mas tenho a
impressão de que vou ficar muito
orgulhoso depois que ler.
Folha - O que o senhor acha da leitura anti-americana que estão fazendo de "Dogville"?
Von Trier - É uma leitura redutora. Não fiz um filme sobre a América, mas um filme que se passa
numa terra chamada América e
que me veio à cabeça enquanto
pensava em várias coisas. A idéia
era dar um sentimento americano, mas a história poderia se passar em qualquer cidade pequena.
Folha - Mas são claras as críticas
aos Estados Unidos...
Von Trier - Sim, ele reflete uma
posição política. Acredito que, se
você é o garoto mais forte da turma, primeiro você precisa ser piedoso e, segundo, você precisa
aceitar críticas. Não é o que vem
acontecendo nos EUA. Acredito
que mais ou menos 10% da população americana tenham uma visão parecida com a minha, mas
veja bem: o mesmo vale para o
meu país, a Dinamarca.
De onde se conclui que, pela
proporção, existem mais pessoas
com quem eu concordo nos EUA
que em meu próprio país... Não
sou anti-americano. Como se pode ser contra algum país e contra
a sua população inteira? Mas sou
contra a política de Estado que vejo nos EUA e fui contra a guerra
do Iraque.
Folha - A forma de parábola de
"Dogville" permite esta leitura, a
da defesa de uma vingança contra
o poder dos EUA como nação?
Von Trier - De forma alguma eu
defendo atos de vingança no filme. Sei que algumas pessoas podem entendê-lo dessa maneira,
mas que considero tão estúpida
quanto aquela que chama "Dogville" de anti-americano.
Folha - O que o senhor acha da fama de provocador?
Von Trier - Não sei se sou um
provocador, mas gosto de pensar
que estou provocando a mim
mesmo quando escolho um tema
como a vingança pessoal, por
exemplo, algo que vai contra os
meus princípios e que acredito ser
totalmente não-civilizado.
Folha - Por isso o estilo "brechtiano", mais cerebral que emocional?
Von Trier - Certamente "Dogville" é mais cerebral e menos emocional que "Ondas do Destino" e
"Dançando no Escuro", mas não
sei se pelo tema. Foi assim que ele
acabou se desenvolvendo a partir
de várias referências, e Brecht foi
uma delas. Sinto que "Dogville"
está próximo a mim pela narração, pelo tom sarcástico. É meu
filme mais pessoal.
Folha - "Dogville" inicia uma nova trilogia. E os outros dois filmes?
Von Trier - Já escrevi o roteiro do
segundo filme, que vai se chamar
"Mandalay" e vai retomar a história de "Dogville" algumas semanas depois de seu fim. As filmagens deverão começar no próximo inverno. O terceiro filme vai
se chamar "Wasington", assim
mesmo, sem o "h".
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