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CRÍTICA
Von Trier radicaliza propostas do Dogma
DO ENVIADO A CANNES
Lars von Trier vive caindo em
contradição. Ele foi a voz
mais ativa na divulgação do manifesto "Dogma 95", mas fez um
único filme respeitando suas regras ("Os Idiotas", de 1998). Dois
anos depois, negou-as no musical
"Dançando no Escuro", com
Björk. Quando levou a Palma de
Ouro no Festival de Cannes de
2000, disse que não voltaria a
competir. E cá está ele outra vez,
disputando. "Não acredite em
mim", disse Von Trier à Folha.
O gosto pela polêmica rendeu-lhe a fama de "marqueteiro"
-coisa que é, mas que termina
ofuscando uma obra sólida e, sobretudo, mais coerente do que
suas declarações públicas. O novo
filme do cineasta, "Dogville", é
forte exemplo dessa coerência.
São três horas de projeção de algo que está entre a literatura e o
teatro, mas não deixa de ser cinema. Dentro de um estúdio há um
palco retangular. Cada espaço demarcado traz um sinal ("casa de
fulano" etc.). Quando é dia, o fundo é branco; quando é noite, preto. Cartelas indicam a passagem
dos capítulos. Simples assim.
Tal simplicidade permite evoluções complexas. Com a ajuda de
um narrador (John Hurt), o público conhece a infortúnia de Grace (Nicole Kidman), jovem que foge de gângsteres e se refugia na
minúscula cidade de Dogville. A
partir daí, Von Trier constrói uma
fábula de situações metafóricas.
"Dogville" radicaliza as propostas do Dogma. Segundo o diretor,
a decisão final em relação ao estilo
despojado foi tomada depois de
ele ter assistido a "O Senhor dos
Anéis" e sua avalanche de efeitos
digitais. "Quando um garoto com
um mouse torna tudo possível, o
cinema fica chato."
Em outro sinal de coerência, o
diretor volta a criar uma personagem marcada pela pureza, vítima
da crueldade humana, que se manifesta respaldada pela razão. E,
de uma forma mais pontual que
em "Dançando no Escuro", que
fazia uma crítica à pena de morte,
"Dogville" expõe um ponto de
vista político. Von Trier quer demonstrar, em forma de parábola,
as formas de utilização do poder
por aqueles que estão numa situação mais forte. Os diálogos são
frios, detalhe que o cineasta busca
compensar no trabalho dos atores
e com a aproximação da câmera.
"Dogville" é longo, mas é sua
duração que permite um "crescendo" essencial, culminando
com um desfecho de impacto.
Mais forte, até, que o de "Dançando no Escuro".
(PEDRO BUTCHER)
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