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São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 2003

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RÉPLICA

Teatros, arquitetura e cidadania

CELSO FRATESCHI
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em relação à reportagem "Arquiteto ataca alteração em teatros de São Paulo" (Ilustrada, pág. E7, 15/5):
1 - Fui procurado pelo repórter para uma reportagem sobre os teatros nos Centros Educacionais Unificados (CEUs). Em nenhum momento fui informado que a pauta da reportagem seria sobre as contestações pessoais de um funcionário, membro de uma equipe numerosa de técnicos das mais variadas áreas que estão envolvidos nesse programa. Se soubesse o teor da reportagem, poderia fornecer informações para um texto mais completo. Creio ser direito do entrevistado o preceito ético de estar informado sobre o assunto em que estará envolvido.
2 - Consideramos o programa dos CEUs de enorme relevância, pois a cidade está construindo 21 equipamentos multidisciplinares. Trata-se de uma experiência matricial, inédita, capitaneada pela Secretaria Municipal de Educação e que envolve também a Secretaria Municipal de Esportes e a Secretaria Municipal de Cultura, entre outras. Nesses equipamentos estão sendo construídos 21 teatros com duas salas cada um, perfazendo um total de 42 novas salas de espetáculos. Para ter uma idéia do impacto desse programa, até hoje o município conta com só sete teatros distritais sendo que quatro deles muito singelos. Esses espaços estão sendo construídos nas regiões mais periféricas da cidade, onde os índices sociais e de qualidade de vida são alarmantes. Pensei que essa seria a pauta.
3 - Quanto à questão desenvolvida pela reportagem, gostaria de esclarecer o seguinte: a discussão sobre o significado político do espaço cênico estava presente desde o início da participação da Secretaria Municipal de Cultura. Solicitamos aos arquitetos um espaço de múltiplo uso que pudesse contemplar as áreas de teatro, dança, cinema, música popular e erudita, (cada CEU contará com uma orquestra de cordas, uma big band e coral), além de festas comunitárias. Essas sugestões foram desde sempre aprovadas pela Secretaria Municipal de Educação e por todos os envolvidos. Esse desafio, infelizmente, não havia sido equacionado. O que nos foi apresentado foram apenas estudos que propunham que o cinema fosse realizado ao ar livre!
Ora, vivemos em uma cidade que alterna período de chuvas com período de baixas temperaturas. Dentro desse limite, jamais poderíamos ter uma programação regular de cinema. Além disso, estamos no século 21, em que o cinema exige condições técnicas básicas para sua fruição. Não é a nossa intenção tratar o morador da periferia com discriminação. Por que só as classes médias e altas devem ter o direito ao conforto? As soluções para o espaço interno dos teatros resultavam no mesmo preconceito. A solução de arquibancadas retráteis com cadeiras soltas, além de ser contra todas as regras de segurança, impunha aos frequentadores um extremo desconforto. No escopo inicial, propomos a discussão do espaço cênico para não limitarmos a criatividade da produção local nos moldes do teatro burguês. A solução que esperávamos não poderia ser pré-burguesa.
4 - Este governo visa o cidadão e sua qualidade de vida. Os CEUs não são uma experiência prospectiva. São 17 equipamentos que serão inaugurados em agosto e mais quatro até o final do ano nos lugares mais carentes da cidade. Trabalhamos para transformar o quadro de extrema carência da população. Esse é nosso compromisso coletivo de governo. Não é um projeto que tem uma autoria única. Os arquitetos descontentes sabiam disso, pois são servidores públicos. Criar e construir em conjunto faz parte de nosso ofício.
5 - Para atender às demandas coletivas desse programa, contratamos o cenógrafo J.C. Serroni, um dos melhores especialistas do país. As soluções apresentadas acabaram por atender ao escopo inicial, garantindo para a população da periferia um espaço democrático de criação e difusão de espetáculos. Teremos dois espaços de espetáculos. Um de 450 lugares que preserva a relação mais tradicional entre palco e platéia, mas que foge do desenho do palco italiano, aproximando essa relação pela sua conformação arquitetônica. Esse espaço permite tanto ensaios das diversas áreas como uma programação permanente de cinema, teatro, dança, música de todos gêneros e atividades comunitárias. Outro de 150 lugares, com o palco e a platéia móveis, reservado para todo tipo de experiências.
6 - Além das salas de espetáculo, cada CEU possui um complexo cultural com uma biblioteca com capacidade para 30 mil volumes, uma escola municipal de iniciação artística, ateliê de artes plásticas, teatro, dança, estúdio de rádio e TV e gravação de CDs.
Trata-se de uma ação pública inédita e de muita ousadia da qual nos orgulhamos muito de participar. Todos os que acreditam e apostam na reconstrução dessa cidade e deste país também terão motivo para se orgulhar. Afinal, sabemos que, se necessitamos de salas de extrema qualidade como a Sala São Paulo, a cidade reclama que a nossa periferia também seja contemplada com a qualidade.
Sabemos que só com ações desse tipo seremos capazes de mudar o quadro de desigualdade que nos assola. A importância cultural dos CEUs aponta concreta e definitivamente para atingirmos a nossa cidadania.


Celso Frateschi é secretário municipal da Cultura


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